Que Saudade da minha Ex! Em pleno Dia dos Namorados, A Vana lança debut
A Vana pode ser considerado um trio de pop experimental. Formado em 2017, o ponto de partida foi a mudança da Joana Cid (Baixo, Maschine) para São Paulo. Ela se juntou com Naná Rizinni (bateria e SPDSX) e Gabriel Romitelli (Guitarra, Sintetizador e Trompete) e depois de algumas cervejas, e claro, ensaios, a banda começou a se desenhar.
O campo de referências é bem abrangente, eles citam por exemplo Metá Metá, Connan Mockasin, Ariel Pink, King Gizzard and the Lizard Wizard, Radiohead, Clube da Equina e até mesmo Edu Lobo.
O Começo
“Começamos ali a mostrar as músicas que produzíamos individualmente e, pouco a pouco, encaixá-las nos ensaios.
A partir daquele momento começamos a produzir coletivamente as músicas que fazem parte do primeiro EP que vai ser lançado agora em junho de 2019.
Por um ano nos reunimos com frequência no estúdio da Naná pra experimentar, viajar e finalizar as propostas e arranjos das músicas.
Os pontos que unem todas as músicas são a experimentação, a liberdade criativa, a mistura entre elementos eletrônicos e analógicos e a exploração contínua da polirritmia e da politonalidade.”, conta Gabriel
O nome, por exemplo, tem uma história um tanto quanto peculiar.
“Desde o inicio, de quando nos reunimos pra tocar, tivemos aquele desafio básico de banda que começa e não tem um nome:
– Qual vai ser o nome da banda?
Rodamos, rodamos, rodamos e até em “Rivo Trio” a gente pensou (risos). Depois de muitas voltas e uma lista de nomes ruins, finalmente decidimos que o nome da banda seria um nome próprio.
“A Vana” chegou quando estávamos (como sempre) falando de política e começamos a pesquisar sobrenomes de pessoas políticas que admiramos, uma delas foi a ex-presidenta Dilma Vana Rousseff.
Resolvemos colocar o artigo feminino pra sonoridade ficar como Havana, e dar aquele frescor que vem da capital cubana. Devem estar pensando que somos um bando de esquerdopatas e não estão enganados (risos).”, conta a banda
O PRIMEIRO EP
O primeiro registro da Vana (como carinhosamente é chamada) está sendo lançado em pleno Dia dos Namorados (12/06) e até por isso o nome carrega um trocadilho no mínimo engraçadinho (e pelo momento que vivemos, um tanto quanto politizado): Saudade da Minha Ex.
As Gravações
“Quando, em agosto de 2018, A Vana estava pronta pra gravar as músicas do seu primeiro EP, fomos ao Trampolim Estúdio, no bairro do Bixiga em São Paulo, e trocamos uma ideia com Arthur Joly e sua coleção de sintetizadores.
Como as músicas misturam de forma complementar elementos orgânicos e eletrônicos, optamos por gravar ao vivo os elementos orgânicos (baixo, bateria e guitarra) e depois fazer os overdubs e sobreposições de sintetizadores, samples e outros elementos eletrônicos.
O saldo foi uma experiência muito viva e sensorial para o trio e o resultado final é o EP “Saudade da Minha Ex” (que se você é brasileiro essa saudade bateu mais real ainda em 2019), será lançado no dia 12 de junho, famoso dia dos namorados.”, atiça Gabriel
Festivais
Esse fervo político e as lutas sociais perdendo espaço no novo governo foram fundamentais para a formação e discurso do grupo. Quando o assunto são shows, o trio fez poucos, apenas três, o mais recente em Maio dentro do Festival Path.
“Ao todo fizemos dois shows em São Paulo: nossa estreia no House of Bubbles e um na Casa da Lapa junto de Fulerô o Esquema na festa Mixxxto Quente. Ambos bastante divertidos e com um feedback massa da galera que assistiu.
Estamos nos esquematizando pra que com o lançamento do EP, venham mais shows e que possamos estabelecer também mais parcerias com bandas/artistas que admiramos como Bolerinho, Lulina, Ana Frango Elétrico, Metá Metá entre tantas outras desse Brasil.
No começo desse ano, conseguimos uma parceria com um selo americano que já trabalhou ao lado de Yoko Ono, Bat For Lashes e Warpaint e desde então estamos pensando em investir tempo também numa projeção exterior. Estamos trabalhando (e torcendo bastante) pra que ano que vem possamos visitar terras além oceanos.”, salienta Romitelli
AS INFLUÊNCIAS
“Nossas principais influências atualmente são artistas de música experimental pop, como Connan Mockasin (lindo), Ariel Pink (deslumbrante) e King Gizzard and the Lizard Wizard (prolíficos). Mas estamos sempre ouvindo e pensando nas nossas referências de experimentações nacionais, como Clube da Esquina e Metá Metá.”, cita Gabi
Saudade da
Minha Ex (12/06/2019)
“Saudade da Minha Ex vem pra reivindicar a nostalgia legítima de um tempo de liberdade, onde a esperança de um futuro próspero pairava no horizonte. A saudade em caso é de uma ex que faz falta em tempos atuais, de ódio e intolerância política. Uma ex-presidenta.”, define o trio
Político e provocador por natureza, em tempos de censura e manipulação, eles buscaram forças no espírito aguerrido da ex-presidenta. O som acaba transparecendo até como algo lúdico e contestador em meio a loucura dos noticiários.
“A Vana é uma homenagem e uma referência a uma mulher guerreira e guerrilheira, que enfrentou de peito aberto e com toda a coragem seus piores algozes e torturadores. E o nome próprio e o artigo feminino que traz no nome passam a mensagem clara: é preciso coragem, amor e cuidado. E um pouco de psicodelia e experimentação para sobreviver em tempos de pós-verdade e violência.”
No EP as músicas são assinadas por Gabriel Romitelli, Joana Cid e Naná Rizinni.
O material foi co-produzido pela banda e Arthur Joly e foi gravado no Estúdio Trampolim.
Joly assina também a mixagem e masterização que foram realizadas no Estúdio Reco-Master, também em São Paulo, e teve como assistentes Gabriel Nascimbeni e Fabio Barros.
Faixa a Faixa: A Vana
Quem abre o EP é “Eclipse” cheia de dissonâncias, trocas de frequências e chiados que se assemelham com uma nave espacial se aproximando do planeta terra (lembram da nave da Xuxa? Algo por aí).
Sua levada derretida, que lembra um pouco as frequências do Dream Pop / Synth Pop, trazem uma sensação de reconforto ao mesmo tempo que expõe uma fragilidade emocional da interlocutora. A percussão dá toda uma quebra e o silêncio é seu porto seguro.
O trio paulista mesmo conta sobre o poder de transformação da faixa.
“Eclipse vem pra colocar o pé na porta e mudar velhos hábitos. Uma reviravolta na vida da compositora a fez arrumar suas malas e ir embora. Uma mistura de pulsão de vida com amor próprio canalizam num sentimento único de fuga da realidade imposta.”, conta a banda
Furacão
O single, “Furacão” traz outro recorte interessante: pela primeira vez o trio paulista lança uma música em português. Sua construção por sua vez é imersa nas experimentações e nos pequenos “barulhos”. Estes que vem de samples, elementos orgânicos e exploram bastantes texturas e ritmos.
A estranheza do free jazz vai de encontro ao synthpop mas também bebe da MPB dos mineiros do Clube da Esquina. Ao mesmo tempo que é pop, flerta com o estranho e o obscuro. Essa experimentação que artistas como Björk e Pato Fu certamente abraçariam sem pensar duas vezes.
O choque entre o eletrônico, o orgânico, o som de objetos e a programação que fazem com que o ouvinte seja levado para outra dimensão. Entre a natureza e o universo pós-apocalíptico. Sem esquecer da espiritualidade e a vontade de se libertar das amarras do dia-a-dia.
Como eles mesmos citam, a faixa tem um tanto da subversão do Radiohead. Para quem curte bandas brasileiras da nova leva, vale o play na sequência do álbum Se Quer Aventuras do Contando Bicicletas.
A Liberdade
“Furacão é sobre liberdade e medo. Sobre vontade e temor. É sobre a liberdade de se deixar levar pelo vento novo, frio e, ao mesmo tempo, sobre o medo de se deixar levar.
É sobre a vontade de se segurar a algo ou a alguém e, ao mesmo tempo, sobre o temor de se segurar. Dicotomias da vida transformadas em canção, e uma recomendação em tempos difíceis: respiração e recordação.”, lembram os paulistas
Com o trompete ecoando no horizonte e atmosfera um tanto quanto Of Montreal indo de encontro com BadBadNotGood no fim do túnel, “River” traz uma série de reviravoltas em sua construção.
Ousadia que faz com que valha a pena ouvir por mais de uma vez. É estranha, soturna, matemática e vai te surpreender justamente por não cair em clichês. É açucarada ao mesmo tempo que é ácida e agridoce.
“Cantada pela baixista Joana Cid. De forma não intencional exploramos elementos da natureza para narrar sua experiência de mundo. “Eclipse” e “Furacão” são analogias de fenômenos naturais usadas para explicar as mudanças súbitas da vida.
“River”, por sua vez, revela a experiência individual da cantora com seus sentidos (o calor do sol que toca a pele, a vontade de viver, a distância desse rio que nos separa). Que tenhamos mais pontes para superarmos essas distâncias.”, conta Gabriel
Hit Indie!
Sabe aquela canção que já nasceu hit? É o caso de “Time To Get Rough” que inclusive entrou no set do Hits Perdidos Apresenta: Basement Tracks e Antiprisma e colocou os presentes que mesmo sem conhecer o som começaram a dançar.
Muito disso por conta de seu espírito Radiohead vai para a pista de dança e encontra o Franz Ferdinand dançando com a Natasha Khan (Bat For Lashes). Ao mesmo tempo que é sensual, e provocadora, ela é estranha, pegajosa e desesperada. O plano de fundo da faixa, claro, é a intensidade das vidas amorosas.
O Fechamento
Mas quem tem a missão de fechar o EP é justamente “Piece of Mind”. Esta que vai sendo construída, e tem seus elementos encaixados aos poucos, até por isso eles consideram ela a mais pop experimental do registro. Eles entram a bordo da nave do começo do disquinho e começam a girar entre planetas, desequilíbrios, desilusões e paranóias.
O ouvinte se vê preso no limbo entre duas realidades e conflitos, feito Stranger Things, e se questionando sobre a ansiedade, o stress, o desgaste emocional e a conjuntura das órbitas dos planetas.
“Um pedaço da mente (piece of mind) ou a paz de espírito (peace of mind)?
Não importa, a sanidade mental é artigo de luxo no tempo presente, de crise e distopia. Seja nas notícias diárias de política e economia, seja na nossa vida individual, nossa vida não nos permite manter a sanidade.
Só nos resta uma única alternativa: abraçar a nossa loucura pra sobreviver em meio a tanta insanidade e se entregar à psicodelia e experimentalismo. É a nossa música mais livre. Beira o nonsense. Ao mesmo tempo, segue a linha do pop experimental. Os últimos minutos da música são um longo riff que lembra bandas de metal progressivo.”, relembram os músicos
Saudade da Minha Ex
A Vana lança hoje não apenas seu EP de estreia, ou até político pela sobrevivência, mas como um trabalho coeso no que se propõe. Pop, experimental, psicodélico, lisérgico, conflituoso, contemporâneo e distópico. Saudade da Minha Ex, ao mesmo tempo que é irônico com sua data de lançamento, e até mesmo abordar relacionamentos e a forma de encarar a realidade, é político em sua essência.
Se viver – e experimentar – é um ato político por si só, A Vana vai além e nos entrega um material diverso e rico de possibilidades. Fique de olho neste trio que vai surpreender justamente por ser destemido tanto no campo da arte, como no campo das ideias.
Recomendado para fãs de: Warpaint, Radiohead, Of Montreal, Bat For Lashes, Metá Metá, Clube da Esquina, Connan Mockasin, Ariel Pink e King Gizzard and the Lizard Wizard.
Entrevista
Para entender mais sobre este grande momento dentro da história d’A Vana conversamos com o Gabriel.
Vocês falam que o álbum relaciona não apenas as desventuras amorosas mas também aos retrocessos no campo de políticas públicas e agendas sociais, contem mais sobre como o trabalho se relaciona e como têm sentido tudo isso.
Gabriel: “O momento político que vivemos no Brasil há anos afeta a nossa existência como indivíduos e sociedade e inevitavelmente tem impacto na nossa música e no modo como nos expressamos artisticamente.
Desde que começamos a nos reunir, o tema da crise política e social e o surgimento de pautas de extrema-direita na sociedade brasileira fizeram parte de nossas conversas e nossas angústias. Nos encontrávamos no estúdio e em protestos, e é impossível separar a crise política da nossa criação.
Em 2018 vivemos com angústia a chegada ao poder do representante das pautas mais reacionárias, autoritárias e violentas que já vimos no Brasil; e, em 2019, assistimos diariamente ao retrocesso de políticas públicas em áreas que nos atingem diretamente, como cultura, educação e direitos humanos. Nossa existência como trio é e sempre será política, e nossa forma de se expressar é alinhada à luta por igualdade de direitos.
Nosso EP Saudade da Minha Ex tem essa intenção política, mas é, antes de mais nada, um relato individual sobre a angústia e a loucura de viver em tempos de crise política. E nossas músicas buscam dar forma e som a essa loucura.”
O Som de vocês consegue ser híbrido, uma hora pop, outra hora experimental mas com uma identidade. Como vocês explicariam o som para quem nunca ouviu a banda?
Gabriel: “O gênero musical que mais se aproxima do nosso som é o “pop experimental“. É um som que tem dificuldade em ser categorizado dentro de gêneros musicais tradicionais, justamente pelo nosso esforço e vontade em se afastar de conceitos óbvios e formas populares já desgastadas da música pop.
A partir de canções que compusemos individualmente (e que têm uma base bastante pop), incorporamos a experimentação e o uso de efeitos, samples e noises.
Apesar de as cinco músicas do EP serem bastante diferentes umas das outras, mantemos uma identidade, um fio condutor: a proposta de desconstruir, por meio da experimentação, as canções pop que compusemos.”
Vocês exploram bastante de texturas, synths, e experimentações. Como é a pesquisa e processo criativo?
Gabriel: “Desde o começo decidimos que nossa forma de tocar e se expressar seria a mais livre e desprendida possível. Durante um ano nos reunimos no estúdio da Naná na Vila Madalena para desenvolver os arranjos e pensar livremente nas nossas músicas.
O processo de pesquisa para produção do EP foi longo e bastante exploratório. Sempre dissemos que nossos ensaios eram aulas (com direito inclusive a lousa no estúdio e anotações em vários cadernos).
Oportunidade
Tivemos a oportunidade de criar com calma, experimentando os mais diferentes formatos para o trio. Espalhamos pedais, instrumentos variados (eletrônicos e analógicos) e cabos MIDI fazendo ligações improváveis entre nossos equipamentos para entender a melhor maneira de criar e executar as nossas músicas.
Ao final chegamos em um modelo enxuto de power trio com vários braços, em que nós três cantamos e tocamos instrumentos analógicos e eletrônicos e que era suficiente para executarmos o tipo de som que a gente queria fazer desde o começo.
O processo criativo que adotamos segue a mesma proposta livre e solta, tentando evitar ao máximo caminhos óbvios. Buscamos construir arranjos complexos e improváveis a partir de uma pequena ideia ou demo que um de nós traz e alternar momentos opostos como loucura e lucidez, som e silêncio, canção e experimentação.”
Por motivos estratégicos, vocês optam por fazer poucos shows, teremos um show de lançamento? E o que esperar d’A Vana ao vivo?
Gabriel: “Fizemos somente três shows ao vivo desde que formamos o trio em julho de 2017. Nosso último show aconteceu em maio deste ano, dentro do Festival Path em São Paulo.
Estamos preparando um show de lançamento para julho, com direito a participações e músicas inéditas. E, agora que lançamos o EP, estamos com vontade de apresentar essas músicas para o maior número de pessoas mundo afora.”