Conheça a Endorphins Lab, selo independente curitibano idealizado por Beatmakers

 Conheça a Endorphins Lab, selo independente curitibano idealizado por Beatmakers

Depois de observar o descaso pela profissão, e beatmakers vendendo suas criações por valores irrisórios, um coletivo de Curitiba (PR) decidiu criar um selo independente.

Foram 3 anos de estudos de mercado e de pensar em quais mecânicas poderiam ser utilizadas em seu novo modelo de negócio. Sendo assim, em Fevereiro foi fundada a Endorphins Lab, um selo para beatmakers.

“Nós percebemos que infelizmente no Brasil, o beatmaker não é reconhecido como um artista, uma mente criativa. Foi por este motivo, que a 3 anos atrás, começamos a planejar o selo, pois mesmo sendo independentes, queremos fazer tudo de um jeito profissional, assim como os beatmakers merecem.”, contam os criadores do selo

O modelo de negócio é inclusivo e pensado para ajudar os artistas quando eles mais precisam de ajuda: no início da carreira. 

“Nossos lançamentos são feitos no formato digital e em fitas cassette, com custo zero ao artista. Aqui produzimos álbuns, porque não temos interesse em hits e singles, mas sim, em uma obra artística completa, tal qual muitos clássicos que admiramos até hoje.

Um dos nossos objetivos é que nossos ouvintes retomem essa cultura e abandonem a música volátil.”, reflete a equipe da Endorphins Lab

Os Primeiros Dias


Endorphins


Endorphins Lab, é um selo curitibano independente de beatmakers e nasceu do amor viciante pela música, da vontade em conhecer todas elas e pela arte da curiosidade e da observação. E para observar não se usa apenas os olhos, mas todos os sentidos. Todos os seis. É preciso ouvir, ver, sentir, cheirar, comer música todos os dias. Necessita-se do imaginário, da criatividade, da intuição para assim nascer um som.

Adoramos a música instrumental, temos paixão pelo hip-hop, pai da matéria em misturar, subverter, repaginar, samplear e lembrar do esquecido. Buscamos as mais diferentes influências, sem colonização cultural ou imposição de modismos.

Temos no beatmaker a nossa figura central. Podem chama-lo também de DJ, produtor, curador, o que importa para nós é fazer Marcos Valle funcionar com Skull Snaps, porque é assim que se faz. Brasil é desafio? Pode até ser, mas não com uma toca-discos, vinis e uma MPC.”, relembram os responsáveis pelo selo

O Primeiro Lançamento

Priorizando artistas em início de carreira no dia 29/03 foi lançado o primeiro álbum com a assinatura do selo paranaense. Refresh, do Allb, teve inclusive suas fitinhas lançadas no dia 05/04, e pode ser considerada sua primeira beat tape lançada de maneira oficial.

“Contudo, o álbum não é uma coletânea de beats. No disco Allb fala de sua relação com o ato de samplear, da sua busca incessante em ouvir todas as músicas do mundo e também fala da sua relação com o urbano e a cidade de Curitiba, além de fazer alusão ao cenário político atual.

No lado instrumental Allb traz o seu melhor: samples brasileiros, com especial atenção a percussão, incluindo referências do candomblé e umbanda, cuidadosamente misturadas com bossa, jazz de fusão e boom bap.”, contam os beatmakers


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Allb. – Foto: Divulgação

Eles ainda contam que o registro é um disco de trânsito e movimento, e foi pensado para que seus ouvintes ouçam enquanto se deslocam. Ou seja, ponha no fone de ouvido e ouça em seu trajeto para o trabalho. Tão urbano e contemporâneo como a “correria” do dia-a-dia e as curvas – e buracos – da cidade.



Entrevista

Para entender mais sobre este momento de fundição conversamos com os responsáveis pelo selo paranaense, desde suas origens, estudos, modelo de negócio a planos de expansão.

[Hits Perdidos] Primeiro gostaria que contassem como foi o primeiro contato com o hip hop e como a arte dos beats foi encantando vocês?

Endorphins Lab: “O grande impacto vem do hip-hop de 92 a 95, bem na sua época de ouro. No Brasil, tínhamos os Racionais, Dina Di, RZO, SNJ, Sabotagem, Planet Hemp, elevando muito o nível, confesso que todos eles nos influenciaram bastante. Dos gringos, nessa mesma época, Beastie Boys, Public Enemy, Tribe Called Quest, até mesmo o Rage Against the Machine que não era uma banda de rap tradicional, mas tinham grande influência da cultura hip-hop através do Zack de la Rocha. Todos eles ajudaram a formar o nosso caráter musical.

O hip-hop dessa época também chamou atenção pela criatividade e aspecto transgressor. Nós tentamos ver a arte de um prisma maior, vemos a música como “um ato político”, sendo assim foi quase impossível não ter se conectado ao hip-hop em algum momento das nossas vidas.

Os beats vieram depois disso, porque das bandas gringas não entendíamos uma só palavra, mas os instrumentais sim, eram perfeitamente entendidos. Beastie Boys, nos levaram ao hardcore, hard rock e funk. Tribe Called ao jazz e soul e o Planet Hemp, a bossa, samba e mpb. Só o hip-hop reúne essa miríade de coisas e mais especificamente os beats e os beatmakers tem essa capacidade genial. Foi assim que nosso desejo de samplear o mundo nasceu.”

[Hits Perdidos] Lembro de ter visto uma entrevista do Edi Rock durante o lançamento de um clipe recentemente (“Corre Neguin”) falando justamente sobre os primeiros equipamentos que foram trazendo dos EUA e o processo de aprendizado que muitas vezes se dava por longas reuniões e conversas via telefone fixo.

Até estranho pensar nisso nos dias de hoje onde em questão de minutos são encontrados trechos para samplear e juntar com outros compostos. Como observam toda a evolução do processo?

Endorphins Lab: “Ah sim, no Brasil eles são um dos pioneiros na arte. Lá fora foi a junção do Rick Rubin, com o Run DMC. Os samplers e as drum machines, eram equipamentos grandes e muito caros. Era pra poucos e para corajosos, pois também não era intuitivos quanto ao uso. Atualmente a tecnologia ajuda muito quanto a acessibilidade e possibilidade de aprendizagem facilitada, por isso a arte do beatmaking continua quebrando barreiras e elevando o nível.

Entretanto, essa conveniência é também um ponto de atenção. Antes esses equipamentos eram peças chaves para a estética típica do hip-hop, porém também existia um comportamento, que tornou essa arte tão autêntica, o “crate diggin”, que nada mais é que o ato de ir as lojas de discos, sebos e redescobrir discos e sons e dar a eles um nova roupagem na forma de beat. Isso era o que os beatmakers faziam.

Hoje muitos, caçam seus samples online, ou seja, acabam vendo as coisas com os olhos de alguém que já descobriu aquilo e acabam não bebendo diretamente da fonte, ai perde-se a autenticidade, que é tornar algo oculto aos ouvidos da grande massa, discos que não tiveram apelo comercial nenhum e dar uma vida nova na forma de beat. Aqui na Endorphins, quando convidamos um beatmaker pra integrar um projeto, tem que ter amor pelo diggin e os discos, principalmente os obscuros. Para nós os equipamentos são importantes, mas não mais que o comportamento e a postura diante dessa arte.”

[Hits Perdidos] É muito atual e em voga falar justamente sobre o papel dos beatmakers. Recentemente tivemos uma polêmica nos EUA por conta de um rapper omitir o nome deles e eles mesmos foram reivindicar sua autoria nos comentários dos vídeos no youtube. Por aqui já viram situação parecida ou sofreram na mão?

Endorphins Lab: “Esse caso é bem emblemático mesmo. É engraçado que ele aconteceu com um rapper que bate no peito por ser independente e ter conseguido dar uma guinada na sua carreira profissional, sem se vender à grandes gravadoras. Isso demonstra bem que a falta de visão com o beatmaker é algo endêmico e não está restrito a grandes corporações explorando produtores. É falta de enxergar o beatmaker como um artista, como uma mente criativa. Infelizmente isso é latente e acontece a toda hora.

Se você for no Soundcloud agora e digitar “beats for sale”, vai encontrar beats sendo vendidos por 5 reais. E por esse valor, vai junto com o beat, o direito autoral, talvez porque muitos ainda nem saibam o que é direito autoral ou sequer fizeram o registro. Tem outros exemplos como fazer permuta, pagar com “divulgação”. Ai te pergunto, como um artista paga o aluguel com a divulgação que fizeram pra ele? Ele vai chegar na concessionária de energia elétrica e vai sugerir uma permuta também?

Não somos contra esses modelos de negócio alternativos, nem contra o “beats for sale”, afinal cada um sabe onde aperta seu calo, mas nosso ponto de vista é que não é sustentável e está longe de ser um modelo digno e decente para o beatmaker enquanto artista. Esse é outro ponto que tentamos corrigir dentro da Endorphins em nossos projetos.”

[Hits Perdidos] O canal de youtube “Quadro em Branco” inclusive fez recentemente um vídeo falando justamente sobre a invisibilidade e a importância de quem trabalha forte nesta imprescindível arte. Mas vejo que cada vez estão sendo mais valorizados, como observam essa luta desde os 3 anos que idealizaram o selo? O que enxergam que ainda precisa ser mudado.

Endorphins Lab: “A gota d’agua foi a 3 anos atrás, justamente quando vimos 3 beats a venda por 50 reais. Naquele momento resolvemos botar a ideias da cabeça no papel e então do papel para o mundo. Esse vídeo, que você menciona, é bem preciso no tange a valorização financeira e que o beatmaker seja incluído nos modelos de negócio de forma adequada, o que obviamente é preponderante para a sustentação da atividade enquanto profissão.

Porém, a valorização advém de várias frentes que vão além da financeira. No hip-hop é comum prestar atenção antes nas rimas e depois no instrumental. Vamos lembrar, que ainda existem outros 2 elementos o breakdancing e o graffiti, que sob a batuta do DJ, deram início ao movimento lá trás. Então sim, o instrumental na figura do DJ, beatmaker ou produtor é o elo de ligação entre todas essas artes que compõe o movimento hip-hop.

Nossa posição não é de conflito com nenhuma dessas artes, o movimentos break estão em todo lugar, o graffiti, nas paredes das cidades, museus, mostras de arte, o MC tem o dom da palavra e da comunicação e todos eles, tem claramente o reconhecimento como artistas, como mentes criativas e disruptivas. O mesmo vale para o beatmaker. Essa é a valorização mais importante a ser buscada, pois todo o restante desencadeia justamente dai.”


https://www.youtube.com/watch?v=uJ54U5O5Iyg


[Hits Perdidos] Dentro do selo os beatmakers vão ditar? Como é o processo? Neste primeiro lançamento o registro até fala sobre essas experimentações, contem mais sobre.

Endorphins Lab: “Todo projeto nosso é calcado sobre um conceito. Ele vai nortear todo processo de criação do álbum. Na Endorphins temos duas pessoas (além dos artistas). O André Leite, que fica com a Curadoria Musical, que envolve toda prospecção de artistas, desenvolvimento dos conceitos dos discos, masterização, produção das fitas cassettes, distribuição digital e o Pietro Domiciano, responsável pela Curadoria Visual, ele desenvolve a arte das capas e encartes das fitas, toda imagem visual de mídias sociais, roteiros de clipes e direção de arte para os clipes.

O beatmaker é a figura central de todas essas etapas, ele participa ativamente de todas elas, principalmente na elaboração do conceito inicial, para que assim tenham liberdade e conforto total em produzir suas músicas e concatena-las as demais etapas do processo.”

[Hits Perdidos] O conceito de álbum é algo que tem voltado com tudo dentro do gênero. Como observam, procuram essa arte de Alta Fidelidade e de vanguarda? É como voltar para Nova Iorque e o berço de tudo?

Endorphins Lab: “Outra premissa da Endorphins Lab é abandonar a música volátil, que se perde no tempo em poucos meses ou semanas. Não queremos voltar exatamente a Nova Iorque no fim dos anos 70, início do hip-hop, mas sim ao mundo da música dos anos 60, 70, 80 e 90, onde artistas se reuniam para produzir obras completas.

Existia o hit, que normalmente ia para o compacto, como um termômetro para entender se as músicas eram comercialmente viáveis. Na realidade, elas eram viáveis porque eram obras estupendas que dentro do contexto do álbum, eram apenas mais uma música. Não conseguiam sozinhas ser maior que obra do disco completo.

Como exemplo, vamos dar um pulo nos anos 90, veja o Sobrevivendo no Inferno, existem músicas icônicas, hinos para todo o sempre, mas não são maiores que a obra. Isso inclusive corrobora com necessidade de se elevar o beatmaker como artista, pois se ele capaz de criar uma obra e não apenas uma música, como refutar o fato de serem artistas autênticos?”

[Hits Perdidos] Aliás como vêem a evolução do rap e o complexo mundo de sub-gêneros? O rap sempre abraçou estilos e soube caminhar mas vive um apogeu interessante, ainda mais no Brasil após 30 anos de sua chegada forte, como observam o mercado, acham que é novo ou agora está alcançando a maturidade?

Endorphins Lab: “Esta mais maduro com certeza. O hip-hop tem essa virtude, de beber de várias fontes, por isso tantas vertentes. Quanto ao mercado, aqui no Brasil não vejo essa maturidade toda, ainda achamos bastante amador, com vários casos de sucesso, ou seja é um cenário heterogêneo, de anonimato total ao reconhecimento nacional. Não existe uma escada que torna essa escalada mais factível pros artistas. Mas existe outra perspectiva a ser observada.

Em nosso país, a grande aflição diária de muita gente é ter o que comer, pagar aluguel, etc. São necessidades mais basais. Como exigir que o público tenha disposição para cultura e arte? Sem esse elemento, o público, a tal escada não existe, ai fica relegado a casos de sucesso isolados e poucos perduram por um tempo mais longo.”

[Hits Perdidos] Como surgiu esse conceito de lançar a custo zero para o artista? Como funciona e o revival das fitinhas K7 é algo que apostam como tendência ou vêem como “fetichismo”?

Endorphins Lab: “O custo zero é necessário como empurrão inicial ao artista, para que assim ele use o dinheiro que já dispõe (ou não) para investir em seus equipamentos próprios, discos para samplear, etc. Isso vai ficar com eles para os próximos projetos (com a gente ou com outros), sem precisar que vendam beats a 5 reais.

Já o lance da fita tem vários motivos. O principal, vem do conceito de beat tape. Essas fitas eram entregues por beatmakers para MCs para que assim eles pudessem conhecer o estilo do beatmaker e então estabelecer uma parceria. Também tem relação com a nossa infância onde, ficávamos ligados na rádio para gravar as músicas nas fitas e depois fazer as coletâneas e distribuir entre os amigos. Também vimos a necessidade de termos uma mídia física e assim corroborar com a ideia de álbum que explicamos antes.

A ideia inicial eram os vinis, mas no Brasil o custo ainda é proibitivo para quem está começando como a gente. Com base em tudo isso, decidimos investir em equipamentos para gravar e duplicar as fitas. Também desenvolvemos parceiros locais para produção gráfica e assim poder entregar um material de alta qualidade para quem comprar. Em outras palavras, por coerência a nossa história e ao estilo dos beatmakers, entendemos que era a mídia física certa para o momento.”


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[Hits Perdidos] Do cenário atual, tanto nacional quanto internacional, quais artistas tem mais inspirado vocês? Como observam as tendências para os próximos tempos e como o selo pode se destacar dentro deste campo?

Endorphins Lab: “A ideia da Endorphins Lab é ser um selo de e para beatmakers mesmo, mas a própria galera que temos desenvolvido os projetos, tem trazido ideias maravilhosas de crossovers, então já no ano que vem, devemos começar a experimentar algumas coisas, que ainda estão em fase de elaboração.

Para 2019, vai ser 100% beats, e junto com o álbum Refresh do Allb, que saiu no dia 29.03, devemos ter de 6 a 8 álbuns completos nesse ano. Sobre inspiração e referências, felizmente temos muitas, vou começar com o cenário local de Curitiba, tem a galera da Suite Music, que tem lançado várias coisas legais dentro do rap local, tem a banda Plata o Plomo e Bananeira Brass Band, que fazem um som instrumental genial e muitos beatmakers de altíssimo nível que nos fazem acreditar que Curitiba é capital dos beatmakers no Brasil. No cenário nacional tem o Zudizilla, que talvez seja nosso rapper favorito, gostamos muito do Criolo também e ficamos bastante emocionados com o recente “revival” do Azymuth e do Arthur Verocai.

Tem a Casa Brasilis, que foi o Pai e a Mãe nessa celebração da cultura dos beatmakers no Brasil, o SonoTWS, Lzu, galera da Banal e Beatwise, Sala70, Pitzan e Nave, este também é de Curitiba, mas hoje anda pelo Brasil todo. Tem o Tiago Frugoli também, fazendo um jazz, do jeito que o hip-hop gosta.

Na gringa, tem a Stones Throw que sempre foi uma referência. Tem o pessoal da Inner Ocean, Fresh Selects, que sempre trazem novos artistas de alto nível. Kamasi Washington, Badbadnotgood, talvez sejam os artistas mais ouvidos por nós já algum tempo, além de outros caras como Exile, Dibiase, Flying Lotus e obivamente Madlib, que sempre fizeram nossa cabeça.”

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