Alerta: O novo disco da Alaska não saiu na última sexta-feira. Na verdade ele é o resultado de um processo de desconstrução – e de quebra de esteriótipos – de quem eles tentaram ser algum dia. Sim, é uma quebra de status quo e de camadas muito além da epiderme.

Talvez a pasteurização da indústria do rock tenha batido neles de uma forma que ficaram desgostosos. Você tem que fazer assim, falar com tais pessoas, cumprimentar paspalhos, puxar o saco de sicrano – e depois ser destruído e descartado feito um panfleto.

“A ruptura surgiu de maneira natural, como resposta do nossos próprios descontentamentos e frustrações enquanto artistas, em relação ao que era – e ainda é – esperado de nós como uma suposta “banda de rock”.

Um modelo que se sustenta pelo mesmo tipo de conteúdo e retórica, sendo fotos de show-sempre-sucesso nas redes sociais, ou exigindo que as canções sejam sempre dominadas pelas guitarras.

Isso freia o desenvolvimento dos artistas, a reflexão do público e a dimensão do estilo, o que de certa forma empobrece todo o circuito e as possibilidades de conexão com a nossa audiência. Parece algo incoerente e bastante arrogante. E se é isso que se associa a uma banda de rock, queremos estar bem distantes daí”, reflete o vocalista André Ribeiro.


Alaska destrói para se reconstruir em segundo álbum. – Foto Por: Stefano Loscalzo

A ansiedade e depressão, dramas vividos por milhares de pessoas, e suas vivências pessoais são perceptíveis ao longo de suas 13 faixas e 44 minutos de duração de Ninguém Vai Me Ouvir que até em seu nome soa como um grito desesperado por ajuda.

Esse vazio, os monstros invisíveis, os medos, inseguranças, desprestígios e sensação de se sentir só 95% do tempo ganham riffs, melodias e contornos agora mais imersos na música eletrônica. Quebrando a tônica e veia “post-rock / emo” de Onda (2015).

Mas esse álbum não é só deles, seria até egoísmo se eles dissessem isso, e sim de uma legião de fãs que contribuíram com suas histórias em uma conta de Curious Cat administrada pela banda. Tudo foi somado e ganhou novas perspectivas na hora de compor o registro.

Alaska – Ninguém Vai Me Ouvir (31/08/2018)

Se “NVMO” já tinha dado dicas que a transição sonora da banda era algo definitivo, “____________VAZIO”, lançada em junho, escancarou para o que devíamos mesmo prestar a atenção:

“Acho que ‘vazio’ representa muito bem o estado em que me encontro quando alguém me pergunta se está tudo bem e eu não sei muito bem como responder, e muitas vezes prefiro não engajar”, conta o vocalista André Ribeiro.

Numa era de tanto textão e necessidade de tweetar sobre como sua fossa deve ser compartilhada,”____________VAZIO”, vai na contramão e mostra o outro lado do precipício. Um abismo de emoções e um sentimento de impotência perante um mundo que não dialoga com seu estilo de vida.

A nossa vida jamais mudará na velocidade dos trending topics e nossa felicidade não pode ser medida na contagem de likes numa foto de um momento “feliz” em qualquer rede social. Vazio vai para o lado oposto para exercer empatia.

Empatia no sentido de “Cara, você não é estranho por não se encaixar. Você não é estranho por não se sentir parte de um projeto maior. Você não precisa ser igual a ninguém. Então vazio pode ser libertador ao mesmo tempo que uma faca de dois gumes.

Como qualquer exercício de empatia “____________VAZIO” não quer te dar respostas, quer apenas estabelecer este diálogo de confiança e apoio. O vocalista André contará o quão pessoal essa canção é em entrevista exclusiva para o Hits Perdidos.

“Esse novo single é quase uma colagem de reflexões sobre minhas inseguranças e minha dificuldade de expressá-las de maneira simples. Talvez por isso ela seja a faixa mais autobiográfica do álbum, mas também acho que seja uma das músicas mais identificáveis que já escrevi”, frisa Ribeiro.

A faixa, assim como o disco, tem produção de Gabriel Olivieri (O Grande Babaca) e mixagem de João Milliet. Um lançamento Sagitta Records.



Feito uma máquina dando pane que me lembra a plasticidade dos efeitos sonoros da série Orphan Black, “NVMO”, já testa novas texturas e com a garganta em seus versos já evoca o título do disco, “Ninguém Vai Me Ouvir”. De maneira subjetiva a invisibilidade dos problemas nas redes sociais, e o inflar dos egos, são expostos.

“tudobem” é reta e direta e fala como somos muitas vezes “bombas relógios prestes a explodir”. A sensação de impotência, sufocamento e menosprezo dos outros com problemas mentais  ganha espaço na composição que bate de frente com os problemas da vida real. Os teclados dão exatamente a sensação de estar preso dentro de uma jaula sem ninguém para ajudar.

O desequilíbrio e os sintomas da ansiedade ganham ainda mais contornos na downbeat, “Amanhã Vai Ser Pior”, que fala sobre desgastes e fins de ciclos. É como se o mundo estivesse explodindo e você não tem forças nem para desviar das pedras que insistem em cair sobre seu corpo.

É o aceitar a derrota porque alguém sempre vai bater no seu ombro e dizer: “podia ser pior, cara”. Claro que sempre pode ser pior porém é a última coisa que você precisa ouvir neste momento.

“Até o Mundo Acabar” é delicada, literal e confessional. É sobre o fim de um relacionamento de longo tempo e por isso sua profundidade, delicadeza em toda sua linguagem e elementos são milimetricamente colocados.

O fim é inevitável mas o respeito e admiração permanecem. Sensível, sentimental e de corpo em alma. É feito um suspiro e a certeza de que tudo se transforma e valeu a pena.

Já “Me Vi Passar” é sobre a ruptura e transformação. Se somos humanos, mutantes e pensantes porque temos que lidar com rótulos, viver de faz de conta, poses e mentiras? Devemos nos adequar a sociedade ou ter nosso próprio brilho? Devemos correr atrás dos nossos sonhos ou viver os sonhos dos outros? É sobre esse processo de basta, de afirmar que “eu posso, quero mais e vou me destruir para reconstruir”.

“Tem que ver isso aí” que poderia ser até fala do Temer (rs) já chega com um swing mais dançante mas é justamente sobre dançar a sua própria valsa. Ter amor próprio e saber valorizar nossa própria companhia, afinal chegamos neste mundo nus e vamos embora sem levar nada. Assim como Billy Idol canta em “Dancing With Myself”.

Em “Chuva Passageira” o tom da conversa com o ouvinte é sobre o aprendizado e até por isso ela é mais calma – e olho no olho. Afinal lidar com seus próprios problemas traz ensinamentos por mais dolorosos e agressivos que eles sejam. Até por isso as guitarras são mais densas e até lembram um pouco as texturas de Onda.

A amizade ganha o centro da conversa, sim, eu considero esse disco como um diário de memórias ou um memorando, em “Susha”, que traz a tona como as pessoas em nossas vidas vão ganhando ainda mais importância com o passar do tempo. Mudanças são ótimas e são elas que fazem com que o coração bata mais forte.

Toda essa intensidade é bem dosada ao longo da faixa que mostra o poder destas pequenas explosões. Porém o companheirismo e as emoções vão ganhando ainda mais capítulos com a passagem do tempo. Feito capítulos de um livro que ainda está longe de acabar.

Se desprender das memórias é o grande tema de “O Que Foi Nosso” que cai como uma facada no peito. É como ter que reestruturar as paredes de um prédio que acabou de desabar. Se o disco começa dando pane, aqui ele dá indícios que é possível se reerguer.

“Infinita Procura / Eterno Desligamento” mostra mais uma vez como o desequilíbrio e a tentativa de entender a quantidade de informações de uma série de acontecimentos parece ser algo incontrolável – e sem muito o que fazer além de seguir em frente. É mais um indício de que algo tem de ser feito para não se perder ainda mais em sua própria órbita.

“s u a v v e” é uma das mais experimentais dentro da proposta eletrônica em trazer distintas referências, loops, sintetizadores e sub-gêneros. Como André diz, é sobre comparar conquistas de outros mas esquecendo que cada um tem seu tempo distinto para brilhar – e consequentemente seu próprio propósito, acreditando nisso ou não.

Já “Só Mais Essa” fala sobre as fases e frequências mais baixas de nossa existência. Porém esquece que por ter vivido essas baixas que faz com que valorizemos ainda mais quando nos reerguemos. Por mais clichê que isso soe, é olhando para trás que vemos o quanto ralamos e pastamos…para que lá na frente nos orgulhemos de quem nos tornamos. Mas claro que durante a queda tudo parece tão distante e ;(.

A canção que fecha é “____________vazio” que já falei na introdução porém acredito que é a mais forte e emblemática do disco. Tanto em sua força como composição quanto pela energia vital em sua estrutura.

De qualquer forma sua escolha por encerrar é bastante coerente pois mostra como de toda essa confusão pode se tirar algo bom e finalmente: seguir em frente.



O segundo disco da Alaska, Ninguém Vai Me Ouvir, é como um suspiro para todos que passam por situações de se sentirem isolados, incompreendidos, reclusos, rodeados de pessoas mas sem se sentirem amparados; e com muitas guerras particulares a serem enfrentadas consigo mesmo. Trata abertamente sobre ansiedade e depressão sem amarras e mostrando como todo o entorno acaba por sua vez fazendo com que sua dor se multiplique.

A banda opta pela ruptura para conseguir seguir em frente. O post-rock e o emo do disco de estreia é deixado de lado e ondas eletrônicas, downbeat, synthpop e outras referências ganham terreno e funcionam dentro de sua proposta sonora. Esta que consiste em dar ouvidos a quem não consegue ser ouvido. Entre tantos ruídos, selfies no instagram e likes na rede que não se pode dizer o nome.

This post was published on 4 de setembro de 2018 1:01 pm

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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