[Premiere] Em novo clipe, Rafael Ops choca ao mostrar a insanidade da correria do dia-a-dia
De vez em quando álbuns vem para ressignificar nossa visão sobre a indústria fonográfica. A primeira vez que ouvi Não ta tudo bem, primeiro álbum do OPS, lançado em Outubro do ano passado senti algo diferente.
Minha primeira reação foi me deparar com um álbum pop e clipes extremamente divertidos. Conheci pesquisando para os listões de videoclipes. Inclusive, fazendo um giro através de outros sites que produzem conteúdo bastante relevante – qualquer dia enumero por aqui meus favoritos.
Só que não foi um pop convencional, foi um pop que pega na ferida. Não fala de temas leves e de fácil digestão. Muito pelo contrário quer provocar – e gera – discussão. Algo que particularmente apelidei de Anti-Pop.
Rafael Amaral Naves, ou simplesmente Ops, é artista, DJ e agitador cultural de Brasília. Em 2016 ele inclusive se mudou para Portugal para estudar produção musical e focou na música eletrônica. Neste meio tempo criou interesse em estudar os ritmos losófonos, africanos e latinos. O que foi um ponto de partida bastante interessante para o projeto que viria a nascer.
Como ele irá nos contar sua pesquisa foi calcada pelo o que é pop e isso passou por os mais diversos estilos como o pagode, arrocha, o sertanejo, a Kizomba e o Zouk Angolano, o reggaeton caribenho entre outros estilos. A ideia era essa mesmo se aproximar deste apelo que move tanto a industria cultural de massa.
A grande jogada de mestre na minha opinião foi essa: utilizar todo esse conhecimento adquirido para mostrar seu viés ideológico e ser ouvido. Subversão esta que dialoga com inquietações e pensamentos que representam não só seus pensamentos, como os de um contigente de pessoas que está cansado de ficar quieto. A desigualdade, a miséria, a doença, a corrupção e nossa indiferença torpe são materiais de pesquisa para as composições.
Rafael Ops desde o começo planejou que para expor seu trabalho da melhor maneira o ideal era cada uma das faixas ganhar um videoclipe. Sendo assim, após uma série de clipes já lançados, ele disponibiliza hoje em Premiere no Hits Perdidos o vídeo para “Já Vai Passar”.
Para isto ele teve a ajuda de amigos que trabalham com audiovisual para elaborar seus vídeos. Como ele mesmo conta teve um dia em que gravou três de uma só vez. A maioria deles é bem simples e seguem o princípio básico do “Faça Você Mesmo”.
“Tivemos que trabalhar com o que tínhamos em mãos. Poucos recursos e muita criatividade. A falta de financiamento nos fez optar por produções simples. Geralmente planos sequência, alguns truques de edição.
Tive a sorte de ter um ótimo videomaker de parceiro desde o começo, praticamente um dos membros da banda, o Cae Maia, da OBG Filmes. Em “Olha a Sorte Que Eu Dei” trabalhei com o Cícero Fraga, da COMOVA, outro grande artista. A minha companheira e empresária Paula Rios fez a produção executiva. Com cada música veio uma ideia diferente. Cada uma ilustra a canção de alguma forma.” – comenta Rafael em entrevista para o Hits Perdidos
Ops “Já Vai Passar” (24/05/2018)
É de verdades escancaradas que o trabalho permeia e “Já Vai Passar” não seria diferente. A música fala sobre o tempo de vida que demanda o trabalho exaustivo do proletariado, segundo o músico:
“É sobre como perdemos parte de nossas vidas nos prestando a um serviço que, muitas vezes, visa tão somente o lucro e o conforto dos donos dos meios de produção. O refrão sugere uma esperança mórbida de pausa, talvez eterna, de um descanso merecido.”
Ops por outro lado mostra o contraste da calmaria que certamente estranha aqueles que não conseguem parar nem sequer por um segundo. Criando assim uma sensação de angústia a aflição tanto a quem assiste, como a quem estava presente no dia das gravações. Tanto é que ele chegou até mesmo a ser empurrado pelos transeuntes, o que deu ainda mais graça para o roteiro.
O vídeo foi realizado por Ops em parceria com a OBG Filmes, do videomaker Cae Maia, e produzido por Paula Rios, da Batedeira Cultural, segue a linguagem dos demais clipes do álbum. Longos planos-sequência e técnicas de manipulação do tempo na edição caracterizam as obras.
Entrevista
[Hits Perdidos] Primeiro gostaria de parabenizar pelo álbum, ouvi no ano passado após ter “descoberto” a partir de um videoclipe e acabou virando playlist em casa. Depois de algum tempo vi ele bem posicionado na tradicional lista do Embrulhador e falei: Poxa, que bacana.
Soube que para você chegar neste resultado tem toda uma longa caminhada e trajetória como DJ e produtor musical, gostaria que contasse mais tanto sobre ela como a busca por referências para este registro.
Rafael Ops: “Meu primeiro encontro com a música foi tocando em bandinhas de rock na adolescência. Nessa altura já compunha e cantava. Estudei teatro na UnB e fui aos poucos me tornando o DJ amador da turma.
Ao término do curso, passei a integrar o coletivo Criolina, com os DJs Pezão e Barata. Me tornei um dos sócios do grupo, atuando como DJ e como produtor musical. Em mais de 10 anos trouxemos muitos artistas pra Brasília e levamos nossa música pra mais de 10 países. Durante esse tempo, criei edits, mashups e remixes.
A necessidade de criar me levou à produção de música eletrônica autoral. Vivi uns anos em Lisboa estudando produção musical. Depois veio a necessidade de voltar a atuar, cantar, compor, dar o meu máximo como artista criativo e, ao mesmo tempo, senti a necessidade de desabafar. De usar minha arte como arma, de dizer o que penso.
Acho que meu trabalho se tornou um apanhado de antigas referências, o indie rock, folk, pop e as novas referências, fruto de anos de pesquisa como DJ, que são basicamente os ritmos latinos, brasileiros e africanos, especialmente lusófonos.
[Hits Perdidos] O que achei bastante interessante no disco foi algo que rotulei mentalmente como “Anti-Pop”, pois cai como pop mas carrega bastante ironia, sarcasmo e tem uma certa sagacidade em comentar temas um pouco indigestos para muitos. Vejo que também se relaciona com o momento tenso político e social que temos vivido, como tem sido a reação das pessoas e como foi o processo de compô-las?
Rafael Ops: “Adorei o termo “anti-pop”. O contraste é proposital! Desde o começo eu resolvi optar por harmonias simples, pra que a música buscasse no insconsciente cultural do ouvinte uma fácil digestão.
As sequências harmônicas são extremamente simples e remetem à música popular brasileira de massa, no sertanejo, no arrocha, no pagode. Os ritmos também remetem à música popular, mas de outros cantos.
Fiz questão de apropriar as batidas da Kizomba e do Zouk de Angola e do Reggaeton caribenho. O ouvinte recebe o som com um “susto” positivo. Ao invés de falar sobre dores de cotovelo, eu proponho reflexões sobre o colapso do capitalismo, temas existencialistas e humanistas.
É claro que o impulsionador desse trabalho foi a crescente onda conservadora e fascista que assola o mundo. Também o golpe de estado que sofremos no Brasil. Mas quando decidi escrever, escolhi escrever sobre algo muito maior. Sobre uma nova forma de enxergar o mundo e nossas próprias vidas.
O álbum está sendo muito bem recebido! Tenho recebido vários feedbacks positivos. Com o clipe de “Não Ta Tudo Bem”, recebi meus primeiros comentários de ódio e, ao responder cada um, senti que conversar com essas pessoas era o melhor que podia acontecer com esse trabalho. O grande objetivo não é só falar com quem concorda comigo, mas criar diálogos com quem não.”
[Hits Perdidos] Pude acompanhar nos últimos meses que clipes não faltaram, cada um com a sua solução criativa, e posso garantir que o meu favorito é justamente “Olha a Sorte Que eu Dei”, pelo roteiro que entretem do começo ao fim. Mas também vejo que explora um pouco mais de cada composição na identidade visual de cada clipe. Como tem funcionado os brainstorms?
Rafael Ops: “Tivemos que trabalhar com o que tínhamos em mãos. Poucos recursos e muita criatividade. A falta de financiamento nos fez optar por produções simples. Geralmente planos sequência, alguns truques de edição.
Tive a sorte de ter um ótimo videomaker de parceiro desde o começo, praticamente um dos membros da banda, o Cae Maia, da OBG Filmes. Em “Olha a Sorte Que Eu Dei” trabalhei com o Cícero Fraga, da COMOVA, outro grande artista. A minha companheira e empresária Paula Rios fez a produção executiva. Com cada música veio uma ideia diferente. Cada uma ilustra a canção de alguma forma.”
[Hits Perdidos] Hoje você está lançando o clipe para “Já Vai Passar” que critica justamente o modo em que enxergamos a correria do dia-a-dia e nossa rotina de trabalho. Em tempos onde se coloca (e tira de pauta) a reforma trabalhista, como vê que ela dialoga com o atual momento do medo da perda dos direitos – e a insegurança de conseguir “manter seu emprego”?
Rafael Ops: “O atual momento é uma tragédia. Temos um governo golpista ilegítimo trabalhando para 1% da sociedade. De qualquer forma, na minha opinião, as relações de trabalho nunca foram justas. Enquanto o patrão for dono dos meios de produção, a mão de obra será sempre explorada. Eu acredito em uma nova forma de organização social em uma economia baseada em recursos, onde todos os seres humanos são herdeiros das riquezas da terra.
Sei que esse discurso soa utópico, mas é meu dever falar sobre o que eu acredito. Temos tecnologia, comunicação e conhecimentos suficientes pra propor uma nova organização social, mas enquanto os 1% tiverem os recursos, a mídia e a polícia, o oprimido será sempre fornecedor de conforto e riqueza para o opressor. Pior. Ainda se apaixona por ele, à la síndrome de Tourette.”
[Hits Perdidos] A ideia desde o começo era ter um clipe para toda faixa ou foi acontecendo naturalmente? Como foi o processo de gravação? Fiquei curioso muito pela cena das pessoas esbarrando, foi combinado?
Rafael Ops: “Acredito que hoje as pessoas mais assistem música do que ouvem, então desde o começo sabia que precisava de um video pra cada música do disco. Além dessa constatação, como artista cênico, decidi fazer um álbum visual, onde o video é suporte e completa a canção.
As gravações foram feitas em pouco tempo. Gravamos poucos ou só um take pra cada video. Chegamos a gravar 3 clipes em uma única tarde! Em Já Vai Passar filmamos vários takes da música inteira. Os esbarrões, bem como todas as ações que acontecem ao fundo, aconteceram por acaso.”
[Hits Perdidos] Vi que ao vivo você tem um grande time que acaba participando das apresentações. Como funciona o projeto OPS no palco? Cada membro que entra para tocar junto traz algo novo? É de certa forma algo experimental?
Rafael Ops: “Me acompanham Thiago Cunha na bateria, Samyr Aissami e Marcus Moraes na guitarra e violão, Fernando Jatobá no baixo e Gustavo Dreher nos synths. Essa galera é referência. Um verdadeiro dream team. Escolhi não usar computador no palco (por hora).
O show é uma porrada. As músicas ganharam um peso especial, muito pelo talento de cada músico. A gente mantém a vibe do disco, mas o show é muito mais intenso. Vez ou outra variamos a formação da banda, isso torna o show fluido, em constante transformação, hora mais intimista, hora mais pressão. Depende do palco. Invariavelmente, Ops no palco é uma explosão. Não sei se diria experimental, mas as canções ganham muito mais peso com a presença desses meninos.”
[Hits Perdidos] Queria que contasse também sobre os outros trabalhos que realiza como os mash-ups que publica em seu canal de youtube. Você também tem produzido outros artistas? Quais os planos para os próximos meses?
Rafael Ops: “Continuo fazendo DJ sets e produzindo música eletrônica para pistas de dança. Também faço trilhas sonoras pra filmes e pra internet, como a do canal Hel Mother, no Youtube.
As playlists no canal servem mais como acervo. Algumas produções tem mais de 10 anos. Ultimamente tenho feito muitos remixes mas ainda não produzi nenhum artista por falta de tempo. Escolhi me dedicar a minha carreira e, nos dias de hoje, manter um projeto como esse é cuidar de uma empresa. “Chase two rabbits and catch none”, é o provérbio que tem guiado minha vida.
Esse ano ainda vou lançar mais dois clipes do álbum “Não Ta Tudo Bem” e em seguida parto para uma sequência de lançamentos de singles, três já estão prontos. Ao final do lançamento desses singles, coloco tudo no meu segundo álbum, Lindo Mundo Feio, previsto pro primeiro semestre de 2019.”