[Premiere] Em plena noite de lua cheia, Teco Martins lança o místico álbum Solar
O ato de se reinventar e buscar conhecer uma nova faceta dentro de sua identidade é o que motiva para que novos projetos e álbuns surjam. Conhecer mais do nosso país, sua extensão continental e toda nossa rica cultura é um belo aprendizado.
Um país que tem muitos erros, coronéis e que é governado por velhos marajás mas que ao mesmo tempo carrega muita esperança e desejo por mudanças nos olhos do povo. Essa que muitas vezes é expressa através de revolta, seja ela nas ruas como no clima de fogo cruzado das redes sociais.
Muitas vezes ficamos abismados com tanta intolerância, preconceito e conflitos que poderiam ser discutidos de maneira mais civilizada. A famosa selvageria de “comentaristas de portais de notícias”.
Foi nesse clima que Teco Martins começou a escrever seu primeiro álbum. Ele não queria trazer mais “raiva” e sim despertar coisas boas – e sentimentos bons para seus ouvintes. Não que tudo que se passa não o revolte, claro que revolta e suas raízes do punk / hardcore sempre fizeram com que estas fossem algumas de suas bandeiras.
Teco produz música desde 2001 quando iniciou sua trajetória ao lado do Rancore, grupo que sempre fez questão de absorver e explorar diversos estilos. Quem pode ouvir o aclamado Seiva sabe bem que eu estou falando.
Nunca quis repetir algo que teve êxito, o que é bem compreensível dentro da proposta como artista de estar sempre se reinventando e conhecendo novos ritmos e musicalidades. Tanto é que o ambicioso e interessantíssimo projeto Sala Especial reuniu uma quantidade de colaboradores que impressiona e as amarras de suas faixas parecem não ter limites.
Mais do que isso Teco também escreveu um pouco da história da música alternativa brasileira com a Casa Moxei esta que faz parte da trajetória de diversos artistas que tem brilhado no cenário nacional. Alguns como o próprio músico comentará tiveram naquela casa sua primeira oportunidade de empunhar o microfone.
Com a pausa de suas bandas e muita energia acumulada de andanças pelo país e da vida simples do campo – atualmente ele reside na “roça” localizada nas proximidades de Indaiatuba (SP) – ele tem se desintoxicado da vida dura da selva de pedra. O músico lembra que morou 30 anos na cidade e está em um longo processo de autoconhecimento e libertação.
Teco Martins – Solar (31/03/2018 – às 22:22h)
O disco vem em boa hora afinal de contas ele é fruto de um esforço conjunto. Começando pela ajuda que Teco teve dos fãs e amigos durante o processo de captação de recursos para seu surgimento. Foi através de um bem sucedido projeto de financiamento coletivo em que ele alcançou a incrível marca de 121%, ou seja, ultrapassou o valor desejado. Ele inclusive faz questão de agradecer a todos que o apoiaram.
Apesar de ser um registro assinado com seu nome, ele refuta de que fez sozinho, algo muito justo afinal de contas o álbum reúne 40 musicistas que colaboraram no processo. Este que ainda foi gravado uma parte em Indaiatuba – em um centro de rituais xamânicos – e outra em um porão em Berlim na Alemanha.
Para essa empreitada Teco teve ao lado Henrique Uba (Candinho), guitarrista do Rancore, desde 2001. É o primeiro trabalho em parceria desde Seiva. O músico assina os sintetizadores, guitarras, samples, e a co-produção do disco.
A mixagem e masterização são de Guilherme Chiappetta, dos projetos África Lá Em Casa e Cafuá, que já trabalhou com o Rancore no disco Liberta e no CD/DVD Rancore Ao Vivo e com nomes como Emicida, Rappin’Hood, Nuno Mindelis, e Terno Rei.
O registo foi gravado entre outubro de 2017 e fevereiro de 2018, e também concretiza um momento muito especial para a carreira do artista. Desde 2009 ele excursiona pelo país fazendo apresentações na rua. Experiência que como poderão ler enriquece muito seu aprendizado por este plano.
Solar também é um álbum repleto de coincidências astrais:
“O nome foi meu primo Moisés que sugeriu depois de ter ouvido o disco, ele é um estudioso da Gnosis e sugeriu que fosse LOGOS SOLAR, mas eu preferi simplificar.” – conta o músico em entrevista exclusiva para o Hits Perdidos
“A data foi escolhida após estudos astrológicos. É num sábado de Aleluia, no dia seguinte é a páscoa que na nossa cultura ocidental talvez seja o maior símbolo do renascimento. O signo solar de Solar será Áries, que eu acho bem pertinente para um disco de estreia e o ascendente será Sagitário, que combina bastante com a minha ideia aventureira de fazer uma tour pelo máximo de lugares possíveis.
Além de serem signos de fogo, que são o complemento pros signos de ar que habitam em mim. Será noite de lua cheia que é ótima pra abençoar nascimentos e 22:22 é um horário bem auspicioso, expresso 2222, a soma dá 8 que é o número do infinito e um dos meus favoritos. Entre “otras cositas” mais…Deus e o diabo moram nos detalhes, devemos sempre estar atentos a eles, e já que fui tão detalhista e místico nessas músicas, a escolha do lançamento não poderia ser diferente. Orar e vigiar.” – completa o músico
O registro abre com “Células” que chega com um teclado delicado, sintetizadores flutuantes e uma riqueza de misturas rítmicas. Mostrando assim a forte presença da música regional brasileira em uma releitura moderna que faz um bom paralelo entre o Brasil folclórico e tribal x a modernidade que a eletrônica Berlim agregou ao trabalho.
Com direito a citação a fauna, a flora e até mesmo o curupira. A percussão soa como um berimbau metalizado e sua letra descreve a paisagem do campo. Outro destaque também fica por conta do uso de ricas metáforas através de elementos simples. Também é válido notar a influência da música nordestina na faixa.
“Verão e Melância” também foi o primeiro single a ser lançado do disco e mostra o poder agregado das parcerias. Esta que conta com percussões do Ogã Vitor da Trindade, o baixo de seis cordas de um gitano-pataxó (Sandro Livahck), Jô Fauno (que aprendeu música em orquestra evangélica e também toca no Sala Espacial) no sax e trompete, e no trombone Fernando Feijão, além das guitarras, synths e samples do Candinho.
Tem muita alma na canção, tem o brilho do soul, um flerte com o jazz e a lambada, muito gingado e até um pouco de maracatu. A graça é justamente essa, como vai incorporando elementos e passeando de maneira versátil por ritmos que representam tanto esse Brasil mestiço em que vivemos. Somos frutos do sincretismo. De um país continental e plural. A canção fala sobre esse lado curandeiro e rejuvenescedor das “coisas da natureza”.
“Lèlövéy” é interessante pois faz um reggae-circense com um violino que se faz presente e toma conta da faixa. Fala provérbios e de certa forma nutre a alma quando fala sobre o peso das relações pessoais – e a confiança. Referências indígenas dão o tempero. Inclusive, fala sobre os rituais místicos para trazer a chuva, estes tão importantes para a cultura tribal.
Já “Sal Grosso” parece dialogar com Iemanjá, orixá do povo Egba, divindade da fertilidade originalmente associada aos rios e desembocaduras. Fala sobre a tristeza e como essa força faz com tudo se regenere através do amor – e do perdão.
“Adorei” através dos batuques fala sobre o Preto Velho, entidade de umbanda, espírito que se apresenta em corpo fluídico de velho africano que viveu na senzala, majoritariamente como escravo que morreu no tronco ou de velhice, e que adora contar as histórias do tempo do cativeiro.
É sobre sabedoria e espiritualidade. O desejo de um futuro melhor para seus filhos, para nosso povo brasileiro. Com esperança e muita musicalidade a música traz leveza para um ouvinte que não aguenta mais sofrer com o momento tenso social e político que estamos vivendo. Com tanto desgosto, dificuldades e sofrimento.
“Ir e Voltar” é um poema cantado. Fala sobre o ciclo da vida, dos golpes e transformações que sofremos. Dos amores e prosas desta longa jornada. “Amoreiras-Ipê” é o hit perdido do disco e isso já transparece desde seus primeiros segundos quando um piano introduz a canção. Outros elementos como flautas, percussão e voz vão sendo adicionados aos poucos.
A aura mística da astrologia, mandalas, mantras e espiritualidade são narradas na xamânica faixa. A conexão com o planeta Terra, natureza, hortaliças e os astros servem como elementos para mostrar o lado mais humano do que é viver. Afinal de contas, seria o amor o maior mistério da vida e por isso tenhamos que sofrer tanto? Essa pergunta prefiro deixar para o universo – e os planetas.
“Música para o amor da minha vida” é uma das mais delicadas e folk do álbum. Teco abre o coração e se despe para se declarar. Faz analogias e metáforas para descrever o quão bem esse sentimento o faz. Com uma levada mais MPB e arranjos no violão a canção fica na cabeça após algumas audições. É pop, tá pronta para quem sabe em um futuro não muito distante ganhar um videoclipe.
Quem fecha o disco é “Aos pés do Cajueiro”, canção composta durante sua estadia no Rio Grande do Norte. Segundo o músico “sentindo e emanando a energia de lá.”, um desejo que ele tem de fazer em cada novo lugar que puder ter a oportunidade de passar.
Para essa turnê ele deseja passar pela maior quantidade de cidades do país que puder, para ouvir, poder trocar histórias e aprender um pouquinho mais. É sobre a paz do momento, seize the day, feche os olhos e tente imaginar toda a energia que só a música é capaz de nos passar. Afinal, após a tormenta sempre vem a calmaria.
É nessa good vibes astral que Solar se encerra.
O primeiro disco solo do Teco Martins consegue transmitir o que se propõe. Fala sobre a natureza, a fauna, a flora, a espiritualidade, as transformações, o amor e nossa força de vontade em seguir em frente. Sobre como encaramos os mistérios da vida, nossas tormentas, conflitos internos, dificuldades em se reerguer e de enxergar nossas próprias virtudes e essências. É um contraponto leve para um momento pesado político e social que o país tem vivendo e promete aquecer o coração dos ouvintes através de ricas misturas musicais e elementos como viola, sintetizadores, batuques e melodias.
Um registro tão místico e transformador que só poderia ser lançado em uma data astral tão simbólica e especial como é a magia do dia 31/03/2018 às 22:22h, noite de lua cheia com signo solar em áries e ascendente em sagitário.
Entrevista
[Hits Perdidos] Eu queria antes de mais nada que você falasse sobre como toda a sua trajetória que começou na primeira fase do Rancore mais hardcore, transição para ritmos brasileiros, folk até a chegada música xamânica. Como acha que esse processo de descoberta, aprendizado te transformou internamente?
Teco Martins: “A vida é uma eterna transformação, como disse Raul Seixas: “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo…”.
As coisas vão acontecendo e de forma natural influenciam cada fase nessa jornada de ser humano. Sempre admirei artistas capazes de se reinventarem e por isso me permito não repetir alguma fórmula que já não me representa só porque no passado “deu certo”.
Toda aquela vontade de viver e de transformar o universo ao meu redor, que eu tinha quando comecei o Rancore ainda pulsa em mim, eu ainda sou aquele garoto rebelde e cheio de insatisfações com a sociedade, mas hoje sou muitas outras coisas além disso também, sou uma mistura de influências a aprendizados que acabam por refletir nessas estéticas musicais diversas.
Ao longo da vida, novos portais vão se abrindo e ao invés de negá-los prefiro agregá-los a minha existência. Concordo quando Renato Russo diz que “o Infinito é realmente um dos Deuses mais lindos”.”
[Hits Perdidos] Queria que contasse mais sobre esse contraste de parte do processo ser registrado na pacata e interiorana Indaiatuba e a outra em uma das capitais mais globalizadas do mundo, Berlim. O que acredita que agregou ao processo todos esses ares tão distintos?
Teco Martins: “Primeiro acho legal dizer que Indaiatuba, por mais que seja no interior de SP, é uma cidade bem moderna – apesar de eu não morar no centro da cidade. Eu optei por morar na roça entre Indaiatuba e Itupeva, estrada de terra, roça mesmo, com cavalo, ovelha, vaca, grilos, serpentes, etc, acordando ao som do galo cantando e indo dormir com os sapos coaxando.
Hoje em dia, depois de ter vivido 30 anos intensos na selva de pedra de São Paulo, eu optei por ficar mais próximo da natureza, pois isso me traz mais paz e mais saúde.
A primeira parte do disco gravamos nessa energia, e, quando cheguei na metade do processo, senti que pro disco ter uma linguagem mais universal ele deveria ser gravado também em outro ambiente totalmente diferente.
Pelo meu irmão de alma e coração, Henrique Uba (Candinho), estar morando e trabalhando com música em Berlin, decidi continuar a gravação por lá, o que foi essencial pro disco ficar do jeito que ficou – detalhe: isso só foi possível por causa do financiamento coletivo ter sido super bem sucedido e termos chegado a 121% da meta.
Eu já estava há um mês “internado” nas gravações e o Candinho estava com o ouvido ainda virgem das músicas; acredito que seja muito importante que isso aconteça durante o processo de produção (ter alguém de confiança entrando no meio do caminho), pois, depois de ouvirmos a mesma música 500 vezes, acabamos perdendo um pouco a noção do que está acontecendo nela.
Ele trouxe novas ideias e interpretações para as músicas e, além disso, no estúdio, também mostramos as músicas para pessoas da China, do Japão, da Alemanha, da França e Inglaterra, pessoas que não entendiam a letra do que eu estava cantando, que apenas sentiam o som e davam suas opiniões com sinceridade.
Aqui no Brasil, a gente tem muito essa cultura de não criticar o trabalho dos outros (na frente deles, né?), e lá esses músicos nos fizeram críticas severas que agregaram muito no processo. Foi maravilhoso ter a oportunidade de receber essas críticas e podermos abrir os olhos pra detalhes que até então não tínhamos percebido, ainda mais por vir de pessoas com repertórios muito diferentes dos nossos.
Além de tudo isso, quando estamos em outro país, em outra estação do ano (estava congelando, neve total), nosso pensamento fica diferente e isso influencia direta e indiretamente no som.Creio que fazer metade do disco na primavera da roça e outra metade na neve de uma megalópole hiper moderna foi essencial pra chegarmos nesse som tão único e universal. Berlin é uma cidade muito conectada com a música eletrônica (no sentido mais amplo possível desse termo), e isso foi somado às raízes brasileiras com as quais venho me alimentando há anos, então temos violas caipira com sintetizadores, atabaques com samples, zabumba com microfonias, etc… vale a pena ouvir o disco num fone bom pra tentar captar o tanto de detalhes que existe nele, é um disco que ao mesmo tempo pode receber os adjetivos: folclórico e globalizado.”
[Hits Perdidos] O que você vê que não encaixaria no Sala Espacial que fez com que se sentisse a vontade em iniciar um projeto solo?
Teco Martins: “Tanto o Sala Espacial quanto o Rancore estão estacionados não por minha vontade. Por mim, eu continuo tocando nessas duas bandas a hora que for, mas com os integrantes originais, e, nas duas bandas, os integrantes originais foram se envolvendo com outros projetos que se tornaram prioritários; alguns inclusive mudaram de cidade ou de país, o que fez com que fosse inviável, por hora, continuar com as bandas.
Essas composições poderiam ter sido utilizadas no Sala Espacial, assim como anteriormente muitas outras composições minhas foram, mas a vida nos fez tomar outros rumos. Torço muito pra que os dois projetos voltem a tocar, amo demais a história e os integrantes de cada um deles.
Eu, na verdade, sempre tive receio de ter um projeto solo, nunca me senti à vontade em ter os holofotes totalmente voltados para mim, sempre preferi dividir essa carga, mesmo eu tendo meu projeto solo de arte de rua, que até então era apenas um complemento pra minha carreira onde a prioridade eram as bandas.
Mas como eu disse, a vida nos faz tomar rumos inesperados e, ao invés de negar os portais que se abrem, às vezes é melhor aceitá-los e dar o melhor que há em nosso coração pra cada fase. Foi mais uma necessidade que uma vontade; ao mesmo tempo em que eu sinto que tenho mais pra oferecer às pessoas como músico, não tenho mais energia pra montar uma outra banda, pelo menos não agora. Então, vim com a cara e a coragem oficializar de vez esse projeto solo, que na real existe desde 2009, quando comecei a tocar pelos parques e praças do Brasil.”
[Hits Perdidos] O projeto conta com mais de 30 colaboradores, como foi reunir toda essa gente e para orquestrar como seria as participações? Como foram as gravações e o desenvolvimento dos arranjos?
Teco Martins: “É muito importante dizer que apesar de seu meu primeiro disco solo, não estou sozinho nessa jornada, muito pelo contrário; fui servido pelos melhores musicistas que conheço nesse álbum (com exceção do Ale Iafelice, baterista do Rancore e do Sala Espacial que não participou desse projeto, pelo simples fato de que eu não queria ter bateria no disco, apenas percussões).
Eu já tinha várias ideias de arranjos e melodias pra cada instrumento, que fomos colocando nas gravações, mas também abri espaço pra que cada um desses musicistas maravilhosos pudesse colocar sua impressão digital nos sons. Foi um processo de muita troca e aprendizado, e foi bastante trabalhoso editar tudo depois, pois, para cada música, tínhamos as vezes até 80 faixas gravadas.
Mas, no final, com paciência e amor tudo deu certo. Inclusive, deixo um salve aqui pros meus anjos da guarda da gravação e edição: Renato de Luccas, Henrique Uba e Guilherme Chiappetta, sem vocês eu nunca teria conseguido.”
[Hits Perdidos] De certa forma, como acredita que a Casa Moxei contribuiu a todo esse processo e como agregou em sua vivência e forma de enxergar o mundo?
Teco Martins: “A Casa Moxei foi uma grande escola na minha vida, tanto na parte artística quanto na parte de aprender a conviver e trabalhar com diversos tipos de pessoas.
Ali era um grande laboratório cultural. Foi a primeira vez que tive experiências artísticas fora do Rancore, que, por mais que fizesse um som bem abrangente dentro do cenário punk/hardcore, tinha de certa forma uma estética bem limitada perante a imensidão das possibilidades existentes no que tange o universo artístico.
A Casa Moxei abriu uma porteira pra experimentações que eu pretendo nunca mais fechar. Pude conviver com artistas das mais diversas áreas de atuação, performance, cinema, música, artes plásticas, dança, iluminação, culinária, poesia, etc.
Além de tudo isso, também teve o acontecimento do incêndio que ajudou bastante a moldar minha personalidade e que me trouxe a sabedoria de que por pior que seja o cenário que a vida nos apresente, não devemos desistir nunca, pois sempre “reencontra a primavera quem sobrevive ao inverno”.
Na Casa Moxei eu passei fome e na Casa Moxei participei de banquetes. Foi tudo muito extremo, intenso e eterno. Está tatuado na minha alma e carrego por onde for.
Fora que no quintal da nossa casa fizemos shows de artistas como a Francisco, el Hombre, Castello Branco, Dance of Days, Rancore, Ive Seixas, Raça, Terno Rei, Daniel Profeta, Marcelo Tofani, Valentin, Le Banquet, Jair Neves, About a Soul e vários outros. Muitos que estavam começando na época e hoje estão ganhando o mundo. Era muita energia criativa junta todos os dias, e eu morava lá no quartinho dos fundos, respirando arte, observando e absorvendo tudo.”
[Hits Perdidos] Em um momento de tantos conflitos e movimentações populares, como vê que o registro dê um respaldo e calmaria a quem te escuta?
Teco Martins: “Quando eu comecei a compor esse disco, estava passando pela timeline do facebook e percebi com o quanto de informações negativas somos bombardeados o tempo inteiro, por todos os lados. Pra mídia, o que traz ibope é a desgraça, e é inegável que existe uma guerra acontecendo e se intensificando a cada dia em nosso país e no mundo.
Acho essencial para que haja o despertar de mudança na sociedade que artistas façam críticas sociais e exponham tudo que há de ruim, sou fã de artistas como Sabotage, RZO, Ratos de Porão, Facção Central e Cólera. Porém, decidi que com esse álbum eu queria trazer um respiro, um alívio para a vida das pessoas. Preferi, nesse momento de tanta revolta e insatisfação, evocar a esperança e o despertar para uma nova era, aonde os pequenos milagres do cotidiano são indicativos de que a paz e a pureza são possíveis.
Acredito que cada pessoa emana uma frequência, e que, a partir dessa frequência, atraímos os acontecimentos que se sucedem em nossos caminhos. Muitas vezes, esse tanto de poluição de informações negativas se infiltram em nossos pensamentos e isso acaba atraindo mais coisas da mesma vibração para as nossas vidas. Busco, com esse disco, fazer com que a frequência de cada pessoa que escute o som se sintonize com a saúde mental, física e espiritual.
Quero ser um estímulo positivo na timeline da vida de cada pessoa que cruzar com minha arte. Pra mim, o musicista deve sempre buscar exercer a função de médico da alma, essa é nossa missão com nossa profissão, ao meu entender. Não estou dizendo que sempre consigo isso, mas essa é sempre a minha busca, de forma incessante e milimétrica.
Quero que cada vez que alguém ouça esse álbum, essa pessoa acredite mais na vida e em si mesmo, perante qualquer cenário aonde ela esteja inserida. São infinitas possibilidades que existem nesse planeta, e com essas músicas busquei fazer chaves que abram portais de cura e felicidade. Bem ambicioso, né? Mas tudo começa na imaginação, imagem + ação. Se eu consegui? Só o tempo e quem ouvir o álbum poderão dizer. Se eu tentei? Com todas minhas forças.”
[Hits Perdidos] Queria que falasse mais sobre a conexão do disco com a natureza, suas dádivas e o momento que tem vivido dentro da carreira. De certa forma o registro também marca uma trajetória de quase 10 anos em carreira solo, como vê que amadureceu e era a hora certa de gravar o álbum?
Teco Martins: “Estou vivendo um momento novo. Apesar de toda bagagem que tenho com meus projetos anteriores, sinto que estou recomeçando do zero e com muita vontade de produzir música e de me conectar com antigas e novas amizades.
A maior parte das letras são realmente de imagens retiradas da fauna e da flora da natureza, pois busquei com a poesia desse disco deixar em aberto a questão de interpretação de significados, sem impor nenhuma verdade absoluta. Tem muita informação subjetiva nessas músicas, então muitas vezes pode parecer que é uma coisa e na verdade é outra.
Existem críticas sociais camufladas em imagens puras e singelas. É necessário bastante atenção e sensibilidade pra perceber os detalhes dos ingredientes que foram colocados nesse caldeirão.
Acho que é um disco capaz de acompanhar diversas fases na vida de uma pessoa, e para cada fase, a interpretação do que o disco diz vai ser diferente. Acho muito importante a arte instigar a criatividade e sempre deixar no ar novos questionamentos, misturas e possibilidades.”
[Hits Perdidos] Você já fez mais de 800 shows de arte de rua, queria que contasse mais sobre essa interação e energia que vem das ruas, os feedbacks e como se sente após estes “encontros”.
Teco Martins: “A arte de rua é a maior escola que um artista pode ter. É aonde TUDO pode acontecer. É aonde o público é mais heterogêneo, espontâneo e verdadeiro possível. É a realidade nua e crua e onde não há proteção alguma que não seja a sua própria arte.
O “baguio é loko“, e pra se garantir tem que estar 100% presente em cada segundo, sem vacilação. Pra mim é a melhor energia possível, e ao mesmo tempo que saio acabado, moído, cansado por ter me entregado tanto, minhas energias se renovam e me dá mais vontade de viver e fazer mais disso. Olho no olho, coração com coração. Sem efeitos especiais nem maquiagem, apenas o que eu sou e o melhor que tenho a oferecer, de forma crua e orgânica.
Sempre que eu vejo um artista de rua tiro meu chapéu pois sei que pra fazer isso precisa de muita coragem e determinação. Creio que isso vem da minha ancestralidade espiritual cigana. Desde pequeno isso me cativa. Por mais apressado que eu esteja eu sempre paro pra ver um artista de rua, e por mais duro que eu esteja, se o artista for bom eu vou abrir o bolso e também o meu coração pra tentar entender o que ele ou ela tem a dizer.
O melhor de tudo nos shows de praça é poder conversar com as pessoas antes e depois da apresentação. Gosto de ir sem pressa, sem ter hora pra ir embora, e ficar conversando até a última pessoa decidir que é hora de ir, sempre aprendo muito e é onde eu recebo meus melhores “cachês”, que é a troca e a conexão com quem se identifica com a mensagem que desejo passar. Num abraço sincero, ou algum presente feito a mão, num depoimento ou numa simples troca de olhar. Esses presentes são algo que vale muito mais que ouro, e que ninguém pode tirar de mim, e que eu carrego por onde for.”
[Hits Perdidos] Falando em turnê, você promete shows literalmente do Oiapoque ao Chuí. Lembro de um trecho do documentário do Joe Strummer (vocalista do The Clash) em que ele cita que gostava de viajar para os lugares para conhecer o povo e ouvir a música local de rua, para sentir o que o povo estava sentido e como era de verdade (sem as máscaras da globalização).
É um sentimento que compartilha com o músico? Como será para organizar tudo isso e para quais lugares do Brasil tem curiosidade de tocar que ainda não teve a oportunidade de ir e gostaria de conhecer a cultura local.
Teco Martins: “Compartilho 100%. É isso. O Brasil é imenso, tem várias nações dentro dessa nação. Me interessa demais ampliar meus conhecimentos acerca do que existe dentro dessas fronteiras, mas que fique claro que não sou patriota e nem a favor de fronteiras, quando digo Brasil, digo as pessoas e os conhecimentos que existem nessa terra.
Esse sonho já é antigo e nessa tour pretendo realizá-lo de fato. Quero muito ir pro Pará, pro Acre, Tocantins e Maranhão, que nunca fui. Acho que no momento o norte é o lugar que mais me dá vontade de conhecer mais a fundo.
Sou fascinado pela cultura amazônica, ou melhor: pelaS culturaS amazônicaS. Mas também quero revisitar os lugares por onde passei e me apaixonei. Ainda quero morar no nordeste e também no Pantanal. E com certeza passar pelas chapadas e ficar bastante tempo por cada uma delas. Tem muita coisa linda e quero aproveitar enquanto existe.
Infelizmente o Brasil está nas mãos de ignorantes que destroem sem dó e com uma pressa do tamanho de suas ganâncias essa natureza sagrada. Espero que a gente consiga modificar esse pensamento antes que seja tarde.
Quero ir pra Terra Ronca e gravar um disco nas cavernas. Quero ir pra ilha de Marajó, Jalapão e também pra Alter do Chão. Quero fazer músicas por onde eu passar. No disco tem uma música chamada “Aos pés do Cajueiro” que fiz no Rio Grande do Norte, sentindo e emanando a energia de lá. Quero fazer isso em cada estado do Brasil.”
[Hits Perdidos] Porque lançar no dia 31 de março de 2018, às 22:22, precisamente? Porque da escolha do nome Solar?
Teco Martins: “O nome foi meu primo Moisés que sugeriu depois de ter ouvido o disco, ele é um estudioso da Gnosis e sugeriu que fosse LOGOS SOLAR, mas eu preferi simplificar. Acho que é uma palavra bem ampla e que simboliza bem essa fonte de vida que busquei traduzir nessas músicas. Pode se relacionar com a luminosidade do Sol mas também com a fertilidade do solo, solo no sentido de “chão” mas também no sentido da nova caminhada que iniciei, de estar pela primeira vez me assumindo como artista solo.
A data foi escolhida após estudos astrológicos. É num sábado de Aleluia, no dia seguinte é a páscoa que na nossa cultura ocidental talvez seja o maior símbolo do renascimento. O signo solar de Solar será Áries, que eu acho bem pertinente para um disco de estreia e o ascendente será Sagitário, que combina bastante com a minha ideia aventureira de fazer uma tour pelo máximo de lugares possíveis.
Além de serem signos de fogo, que são o complemento pros signos de ar que habitam em mim. Será noite de lua cheia que é ótima pra abençoar nascimentos e 22:22 é um horário bem auspicioso, expresso 2222, a soma dá 8 que é o número do infinito e um dos meus favoritos. Entre “otras cositas” mais…Deus e o diabo moram nos detalhes, devemos sempre estar atentos a eles, e já que fui tão detalhista e místico nessas músicas, a escolha do lançamento não poderia ser diferente. Orar e vigiar.”
[Hits Perdidos] Como foi voltar a trabalhar com o Henrique Uba (Candinho) depois de tanto tempo, como foi essa troca?
Teco Martins: “Se hoje sou músico, compositor, é porque lá atrás, na época da escola, o Candinho me fez acreditar que eu era capaz de compor e cantar. Ele é o musicista mais talentoso, ousado e dedicado que eu conheço, além de ser um dos meus melhores amigos.
Adoro trabalhar com ele e admiro muito o quanto ele pensa de forma inusitada e criativa. Ele é apaixonado demais por música, e isso me inspira e me motiva. Estamos fazendo música juntos há quase 20 anos e sem ele eu não existo. Ter ele comigo nessa jornada com certeza fez com que o disco saísse muito melhor do que minhas melhores expectativas. Por mim todos os discos que eu fizer vai ter o Henrique Uba junto. E a banda nova dele que chama Aemong é genial, assim como ele.”
[Hits Perdidos] O que te inspira a continuar compondo e repensando as inúmeras possibilidades? No disco o que mais serviu como inspiração?
Teco Martins: “Montei minha primeira banda com 11 anos de idade e nunca mais parei. Essa é minha vida e o que sou. Acredito que quando eu desencarnar, minha maneira de permanecer vivo nessa Terra é com as canções que eu deixar. Tenho esse desejo de ser eterno, pois amo a vida; dói bastante, mas ainda assim, eu amo viver. Acredito no poder de cura da música e que ela é capaz de estabelecer conexões entre almas. Sinto a necessidade de me conectar com outras vidas.
Quero dividir o pouco que sei, em forma de gratidão por tantas pessoas boas já terem dividido o pouco que sabem comigo. Acredito que o melhor que tenho a oferecer às pessoas é minha arte, e quando alguém diz que foi ajudado pelas minhas músicas nessa caminhada, meu coração bate mais forte e minha vida faz mais sentido. O que mais me serve de inspiração hoje é a natureza, e em especial o aspecto feminino dela.”