Meu Nome Não é Portugas é “refém da distância” em seu primeiro full-length
Um mundo extremamente conectado onde o feed das redes sociais a cada minuto tem despejado nos mais diversos formatos uma explosão de conteúdo. Quem está em Tokyo, Bagdá ou Luanda pode saber praticamente em tempo real sobre um show que está sendo realizado no Coachella e até mesmo “experimentar” a distância aquela sensação de como se “estivesse lá”.
Ao mesmo tempo na mesa de um bar ao lado de seus amigos – e conhecidos – vemos várias cabeças baixas olhando, sorrindo e falando sozinhas com seus dispositivos. Aquela distância que parece ser “encurtada” do que está longe, é proporcionalmente alongada de quem está literalmente do seu lado.
Antes fosse apenas a distância física o problema. Temos também a falta de empatia que esse distanciamento produz. Você pode estar perto da pessoa e estar praticamente conversando com uma parede. Dura, gelada, oca e hostil. Sim, o silêncio também corrói relações.
Esse descompasso do nosso dia-a-dia é trabalhado no campo das ideias e pequenos protestos sonoros do primeiro álbum cheio do Meu Nome Não é Portugas. Projeto solo de Rubens Adati (Vladvostock/Ale Sater) que teve seu primeiro EP lançado em janeiro através da Banana Records, e n d o p a s s o s.
Meu Nome Não é Portugas – Sob Custódia Da Distância (20/10/2017)
Já o álbum de estreia de Rubens foi lançado pela Cavaca Records no fim de outubro (20/10) e conta com 10 canções. Além do Meu Nome Não É Portugas, Ale Sater e Vladvostock Adati também comanda o Inhamestúdio (Cotia – SP). Este que já falamos por aqui.
O trabalho foi um grande desafio pessoal já que ele compôs, gravou (todos os instrumentos), mixou e masterizou tudo sozinho em seu Inhamestúdio.
Para adaptar o show para o formato ao vivo ele convidou outros músicos para as apresentações. Sendo assim quem puder comparecer aos eventos verá Rubens acompanhado de Max Huzsar (Dr. Carneiro), Zelino Lanfranchi (ex Parati e Cabana Café), e Rafael Carozzi (Kid Foguete, Readymades).
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O disco se inicia com a matemática “Quanto Mede o Esquecimento”. Esta que carrega influências do math rock e jazz que criam uma atmosfera imersiva – e angustiante. O sentimento de desespero é transmitido através da calmaria que contrasta com a ansiedade da faixa instrumental.
O lo-fi de grupos como Real Estate é sentido desde os primeiros acordes de “20h”. O drama da rotina diária é escrachada na canção que clama por mudança. Se esta canção tivesse tons ele seria um misto de céu com nuvens carregadas e paletas acinzentadas.
Ao som de “latas”a terceira faixa do EP é “EPLOVE”. Esta que chega com uma harmonia um pouco diferente que me lembrou até as experimentações do Pato Fu em Música de Brinquedo. Talvez o ponto fraco da canção seja em si a voz estar baixa o que dificulta o entendimento do que é falado. Os efeitos intergalácticos também dão um tom astral a canção ao longo de seus quase 6 minutos.
Se “EPLOVE” é complexa de elementos, “Sete Cantos” vai para o lado da simplicidade. E acredito que faz um gol de placa. A voz ganha o destaque e a harmonia é pop. O recurso da voz e violão dão destaque a letra que mostra a “apatia” de tentar seguir em frente e falhar miseravelmente. Aquela mesma tristeza e solidão que encontramos em discos do Elliott Smith e Bon Iver.
Mas todo disco precisa de sua balada. A desse álbum carrega um nome longo, “As Memórias Engatilhadas dos Momentos de Extrema Paz”. Ela faz um misto da MPB com o alternativo, ou seja dá um oxigênio ao estilo sem perder suas marcas. Um destaque fica para as experimentações na guitarra. Em sua letra a nostalgia até corrói o peito.
“Abismos” segue a linha cronológica das lamentações do disco. Nela Rubens mostra suas inseguranças, medos, descontentamentos e dificuldades em mudar o seu destino. A solidão é mais uma vez cantada aos 4 ventos (ou mares).
“Esperas” chega com uma guitarra que sola ao som de synths feito uma introdução para a parte final do disco. Assim chegamos a faixa título, “Sob Custódia da Distância”, e claro que essa ia ser das mais dolorosas do disco, são dois minutos de dor, desilusão e solidão.
Depois do sentimento forte vem a necessidade de fugir. A memória, nostalgia dos tempos que não vão voltar e desencontro é transmitido em “Fugir”.
O disco se encerra com “A V I A G E M”, a mais experimental de todas. Com direito a brincar com sample do metrô de São Paulo e teclados sombrios alá Moblins. O frio do distanciamento finalmente é consumado.
O primeiro álbum cheio do Meu Nome Não é Portugas é um convite a exercitar a empatia. Nele Rubens Adati compartilha suas dores, lamentos, medos e solidão. O trabalho que foi feito de maneira D.I.Y. e retrata o tema do distanciamento, não só físico mas como no campo das ideias. “Sob Custódia da Solidão” experimenta quando soma referência do universo do rock alternativo a mpb e abraça estilos como Jazz e math rock. Um disco recomendado para dias chuvosos!
[Hits Perdidos] A dor do distanciamento é o grande tema do disco. Quais situações fizeram com que refletisse tanto sobre o assunto?
Rubens Adati: “Algumas pessoas queridas foram para muito longe, falo de 2.000km pra cima. Essa é a distância física mencionada no disco. Isso teve como consequência o distanciamento das ideias. Esquecer do outro e não compartilhar mais as mesmas vontades é talvez um distanciamento muito maior do que estar de fato em lugares diferentes. É possível estar do lado da pessoa e mesmo assim as duas estarem muito distantes.”
[Hits Perdidos] Quando você fala sobre distanciamento também fala do mundo das ideais. Como vê o descompasso que o mundo a sua volta enfrenta neste momento?
Rubens Adati: “Vemos cada vez as pessoas mais distantes umas das outras quando se encontram, porém mais perto graças a ferramenta da internet e celulares. O olhar foca muito longe e não percebe o que está mais próximo. É uma contradição.”
[Hits Perdidos] Após o EP como foi o planejamento do álbum do primeiro álbum cheio do projeto?
Rubens Adati: “O álbum surgiu naturalmente de canções que já estavam surgindo na época do EP, mas não tinham um sentido ainda. O processo caminhou pelo seu rumo normal, e quando eu percebi, tinha um álbum nas mãos.”
[Hits Perdidos] Você mesmo gravou todos os instrumentos, produziu e foi responsável por toda a engenharia de som no disco. Qual acredita que foi a parte mais difícil de realizar?
Rubens Adati: “A parte mais difícil disso tudo foi parar. A todo momento, um instrumento ou um efeito poderiam ser colocados nas músicas e foi complicado olhar tudo aqui e ter o sentimento que estava finalizado. Isso resultou em três ou quatro versões diferentes do álbum, até chegar no que foi lançado.”
[Hits Perdidos] Em “Quanto Mede o Esquecimento” tem umas levadas do jazz, umas quebras do math rock e um peso de tristeza grande. Quais referências foi atrás e como foi o processo de construção da canção?
Rubens Adati: “A faixa, pra mim, soa muito algo que o Hurtmold e o Mahmed fariam juntos. Ela veio de um dia que liguei o metrônomo em um compasso 5 por 4 e sentei na bateria e gravei qualquer coisa. Depois fui colocando as guitarras, que tem um que contrapontístico. O baixo veio pra inverter toda a harmonia das guitarras. Apesar de parecer complexa, foi muito fácil de compor.”
[Hits Perdidos] O disco também consegue refletir várias sonoridades como o jazz, o chillwave, a MPB, o lo-fi e o experimental. Como foi se moldando as referências? Consideraria um disco cheio de experimentações?
Rubens Adati: “Acho que somente a faixa “A V i A G E M” foi uma experimentação verdadeira de algo que eu não tinha feito até o momento. O resto vem de coisas que eu já ouço normalmente. Quem conhece o trabalho da Vladvostock vê algo muito semelhante: a constante mudança de estilos entre as canções. Isso dá vida pro disco.”
[Hits Perdidos] Além do Meu Nome Não É Portugas, Ale Sater, Vladvostock além de outras bandas você também comanda o Inhamestúdio. Como é coordenar tantos projetos musicais?
Rubens Adati: “Depois de um tempo percebi que a melhor saída para evitar o desgaste era não juntar as coisas. No Inhame, estamos trabalhando com intensidade as Sessions. Não pretendo gravar nenhuma banda que eu participe muito ativamente. Claro que recebo ajuda do Cainan Willy e da Yasmin Kalaf pra eu não morrer no meio disso tudo.”
[Hits Perdidos] Como tem sido a Inhame Sessions? E o que podemos esperar deste projeto?
Rubens Adati: “A Inhame Sessions têm acontecido de uma forma muito gostosa. As bandas aparentam estarem bem confortáveis nos dias de gravação (também, com comida e bebida na faixa, quem não estaria? Rs).
No momento, estamos trabalhando mais ativamente nos próximo lançamentos, que são do Mahmed e do Terno Rei, ambos com parceria da Balaclava Records. Também estamos com parceria com a PWR Records, colocando somente bandas com mulheres na sua formação, uma forma de balancear o que vinha acontecendo, que era a maioria masculina nos vídeos. O público pode esperar vídeos que mais se parecem com videoclipes, e músicas gravadas ao vivo que lembram as gravações, tudo feito com muito cuidado e carinho.”
[Hits Perdidos] Como tem sido “adaptar” o projeto que gravou tudo sozinho para o formato banda? E os shows como tem rolado?
Rubens Adati: “Está sendo bem fácil. Estou seguro com os meus companheiros de banda. Chamei o Rafael Carozzi (Readymades, Kid Foguete) pra bateria, o Zelino Lanfranchi (ex Parati e Cabana Café) pro baixo. Ambos conheci por meio dos shows e amigos em comum. Já pra guitarra chamei o Max Huzsar (Dr. Carneiro), amigo que fiz esse ano através da faculdade. Só fizemos dois shows e tivemos um ótimo feedback do público, mas ainda temos muito o que ensaiar!”
Playlist Meu Nome Não é Portugas no Spotify
Para fechar pedi para que o Rubens montasse uma playlist com influências que fizeram com que o disco ganhasse esta forma. O resultado é bastante interessante e conta com artistas como Devendra Banhart, Homeshake, Hurtmold, Angel Olsen, Os Paralamas do Sucesso, Icy Demons e Frankie Cosmos.
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