Em tempos em que o Youtube e a Netflix são mais fortes que a tv aberta – e fechada juntas – a linguagem e os temas polêmicos vistos como “tabus” para as antigas mídias são armas que a internet usa para causar impacto.
E ela deita e rola solto através da imaginação dos podcasts que viajam do universo nerd a culinária passando pelos canais de youtube como os parceiros do Minuto Indie e chegando a outros que abordam estilo de vida e comportamento.
Essa gama de pequenas grandes comunidades ajudam a explicar o comportamento do jovem que nunca esteve interessado em seguir padrões. A possibilidade se identificar com um cara ou garota que viva milhares de quilômetros de distância se torna algo viável.
Rechaçar as novas mídias é um erro crasso que alguns velhos canais de comunicação perduraram – e alguns perduram ainda – anos para entender e conseguir resgatar esse expectador que não pauta sua vida com base na novela das 8 ou da coletânea da Jovem Pan.
O twitter costumo dizer que é um grande termômetro do que está acontecendo. Por mais que a rede social tenha perdido milhares de usuários ativos ao longo dos anos, ele ainda consegue através de seus #TrendingTopics e Memes instantâneos prever o que só vai estourar horas, dias ou semanas depois no tão “viciante” Facebook. Este último visto como um meio mais formal e onde o jovem não quer dividir algumas vivências com seus pais, tios e avós.
E desta forma entra o Youtube, Snapchat e o Instagram são ferramentas cruciais para essa nova geração que pouco lê porém assiste e quer tudo fácil na mão rápido. Não existe meio melhor ou pior de comunicação mas temos que entender que a cada dia em menor tempo o modo de se comunicar com um público pré-adolescente/adolescente tem mudado.
Toda essa loucura e sede por informação se transforma em views no youtube, em poucos minutos vemos discussões sobre aborto, suicídio, religião, machismo, racismo, humor, política, futebol, música, tecnologia, psicopatas, filmes…entre outros. Talvez todo esse ar de humanidade entre acertar, errar, aprender e jogar “merda no ventilador” que faça dessas ferramentas por mais tecnológicas tão errantes.
E talvez esse ponto da tecnologia x humanidade seja um dos pontos fortes do disco que iremos falar hoje. Para começar que a persona por trás do projeto tem tudo a ver com esse cataclisma e fogo cruzado que é o universo paralelo da internet. Visto que Júlio Victor, um cidadão de Volta Redonda (RJ) deve muito a internet tanto pelo conhecimento adquirido quanto por seus projetos pessoais.
Júlio é o responsável pelo canal de youtube, Tá Na Capa, este que busca mostrar opiniões polêmicas relacionadas a música. Pude conhecer o trabalho do Tá Na Capa através de um vídeo que deu o que falar no grupo de facebook Real Emo (SDDS ORKUT) – este que vira e mexe rola alguma polêmica.
O tema claro foi o EMO. Mas a variedade de assuntos consegue prender o expectador, tem vídeo sobre o hit do funk carioca “Bumbum Granada”, tem vídeo analisando liricamente UDR, a videos com um teor mais sério como “os melhores álbuns do mês”.
Agora imagina quando este cidadão pega todo esse universo da cultura pop e traduz isto em um projeto musical. Parece loucura, nerdisse e muita piração. Todas estas afirmações estão mais do que corretas afinal de contas o Sasha Grey As Wife é tudo isso e mais um pouco.

O Youtuber e produtor musical Júlio Victor é a língua afiada por trás do Sasha Grey As Wife. – Foto: Divulgação

Nerdisse é um ponto chave na maneira que Júlio enxerga o projeto. Visto que em seu primeiro álbum, Pupil/Pupils (2015) ele optou por gravar todos instrumentos e fazer toda parte de engenharia de som: sozinho. Da gravação a masterização, inclusive os shows realizados até então eram no formato de one man band.
Isto também se traduz em suas influências que passam por gêneros como o Spoken Word, Emo, MPB, Psicodelia, Pop, Rock Alternativo, latinidades entre outras coisas. Como disse anteriormente em outras palavras, Júlio sabe utilizar do vasto universo da internet. Já pensou quantas vidas ele teria que viver para conhecer tudo isso sem a ajuda da ferramenta?
Neste segundo álbum, que aliás é apenas o primeiro de uma trilogia, ele resolveu fazer o trabalho inverso. Mas calma, o lado nerd operou mais uma vez. Desta vez ele envolveu em seu projeto mais de 30 músicos entre eles nomes conhecidos da cena independente entre outros já consagrados.
Além disso, a parte da mixagem ele deixou na mão de 11 pessoas diferentes em diferentes estúdios ao redor do país que puderam ter o privilégio de mixar ao menos uma das 11 faixas. Claro que a masterização ficou a cargo dele mesmo para soar do jeito que queria.
Ashtar Sheran I: Terra 
O álbum é a parte I de uma trilogia de três discos que devem ser lançados até o fim de 2017. Durante essa trilogia – me desculpe mas falou em trilogia eu penso em Star Wars e Senhor do Anéis – os temas abordados são polêmicos e são constantemente abordados na internet como o suicídio, a religião, a internet, a sociedade tecnocrata, o perdão entre outras coisas.
“A temática gira em torno do conceito de Ashtar Sheran em uma tentativa pessoal de entender o ser humano, a religião e o sentido da vida como um todo. Em sua primeira parte, intitulada Terra, os temas são mais palpáveis e empíricos, mostrando a diversidade que a humanidade produz ao longo dos anos e todos os embates que insurgem pelas eras.” conta Júlio
Algo a se observar no disco são as diversas formas de expressão que ele utiliza com cantos, berros, falas, discursos e poemas com muita intensidade. A experiências sonoras também são algo a se destacar já que temos o som de trompetes, beats eletrônicos, tambores e até a viola cósmica de 10 cordas do talentoso Rafael Inácio (Nãda).




Ashtar Sheran I: Terra 
se inicia com “Vrillion 1977” que funde a viola de Rafael Inácio (Nãda) ao vocal Spoken Word e beats de Júlio, o contrabaixo de Matheus Pereira e a batida suave que André Leal (Stone House On Fire/Carbo/Buzz Driver/Mutante Radio/Estúdio Jukebox) cadencia a canção.
A faixa tem uma energia magnética e astral. Seu discurso parece proceder de um alienígena que busca contato com o planeta Terra. Com o intuíto de alertar sobre os problemas que o futuro nos trará.
Assim como Apocalypse Now, a contagem do tempo é regressiva e uma nova era está por vir. Esta energia da canção pode ser encontrada em discos como Mandala (2009) da banda Rx Bandits. A mixagem da canção foi feita no Estúdio Jukebox (Volta Redonda – RJ).
“Shane Lee Mack” já navega por oceanos distintos, é uma canção que fala sobre ego através de discursos desconexos de uma mente acelerada que consome informações de maneira rápida. Com berros do screamo e vocais melódicos do emo a canção tem muito sentimento e melancolia. Tudo isso sem perder o aspecto pop.
A ansiedade é um dos temas centrais da canção, assim como o belo disco de Vinícius Mendes. O pessimismo e a fraqueza dessa ansiedade tendo como plano de fundo um Iceberg de negativismo. A faixa foi mixada no Estúdio Gritaria (Supercombo, Medulla).
Com um nome que parece título de canção do Bomb The Music Industry!, “iPhone Simulator ’97” é uma das mais polêmicas canções do disco justamente por expor o pré-julgamento na era da internet. E o famoso stalking que leva as pessoas a ter comportamentos obsessivos.
A internet é amplamente discutida através de vieses de diferentes personas que Júlio incorpora. Uma delas é o conflito geracional entre um adulto mais velho x um adolescente ou adulto que já nasceu na era digital. Este exposto de uma maneira clara que ressoa em vários diálogos entre pais e filhos: “Você consegue conversar com alguém por 8 horas seguidas?”.
A sociabilidade, o isolamento e a mudança comportamental são postos em cheque ao longo dos seus 3 minutos. A canção põe em pauta discussões como: Quanto vale um like no instagram? Um follow no Twitter ou um Subscribe no Youtube?
Na sonoridade vemos um pouco do post-rock, eletropop, synthpop, dubstep, rap e spoken word. O que combina com a internet e seu universo de possibilidades musicais que podemos conhecer em questão de clicks ou playlists no Spotify. A mixagem teve como responsável o engenheiro de som Ricardo Ponte (responsável pelas mixagens de artistas como: Scalene, Hover e Alaska).
“Bailey Jay” conta com um ilustre convidado na locução, Esteban Tavares (Ex-Fresno, Humberto Gessinger) e acredito que por esse fato vá agradar fãs de Anberlin, Copeland, Angels & Airwaves e Alaska.
Ela tem uma atmosfera e parece planar feito uma odisséia do homem na lua. As guitarras tem o tom flutuante do caminhar do astronauta em órbita vendo o universo interno do ser humano implodir em pedaços.
De certa forma isto me resgata um disco em minha memória, Meds (2006) do Placebo e sua áurea intergalática. Esteban também foi o responsável pela mixagem da faixa.

O álbum conta com a participação de mais de 30 músicos. – Foto: Letícia Angelim

A sociedade das aparências é atacada com um punhal em “Juliette Society” esta que tem sua alma no batuque. O interessante de notar na canção é a mistura entre o gingado da MPB, psicodelia e riffs post-rock. Lucas Cucazé foi o convidado da vez para gravar a locução da faixa que fala sobre a banalização do sexo no cotidiano.
Uma frase marcante é a que fecha a canção: “Um brinde a todas e todos que trepei e tive vontade de trepar mas não tive coragem de amar e me entregar”. A mixagem foi feita no Cavalo Estúdio (estúdio que já realizou trabalho com as bandas: O Grande Babaca, Ceano, Alaska).
Assim chegamos a metade do disco com a faixa “Xmas Banzo”. Que aponta para a luta de resistência dos escravos durante o período colonial do país, este choro e dívida eterna que ainda vive nas regiões onde antes existiam quilombos e riqueza mal distribuída.
Outra crítica também é ao machismo impregnado na sociedade. Da sociedade perante a mulher com o fato dela não poder vestir o que quiser sem se sentir intimidada e do homem que tem que ser “forte” por ser “macho”.
“Precisamos conhecer o outro para vê-lo como nossa terra natal.” é a frase que fecha a canção que busca através da empatia e companheirismo mostrar os erros da sociedade para assim causar uma reflexão profunda perante as atitudes.  A canção conta com os backin vocals de Victor Romero e a mixagem feita por Vitor Brauer (Lupe de Lupe, Paola).
“Septo” carrega uma densidade de camadas e um discurso clamando por perdão. Um dos sentimentos mais nobres que o ser humano pode ter. Aceitar um erro para assim poder seguir em frente em paz. Ela até parece em certas horas o sussurrar dos monges. Tendo em sua parte final guturais de bandas do post-hardcore do começo dos anos 00’s.
A faixa conta com locução de Isabela Maggiolaro e Mathias no Cello. Victor Romero (Talude) ficou responsável pela mixagem.
A religião é o ponto de partida e contestação em “Biofobia Aka Freak Fiction”. O ateísmo também é um tema tocado, que através de argumentos ele justifica sua crença em nenhum tipo de fé e a vida sendo apenas um ciclo. Sem divindades ou paraísos prometidos.
Porém ele deixa aberto ao ouvinte a escolha de ter ou não uma religião. A canção foi mixada por Giulia e conta com a locução de Santiago Nazarian.
A nona faixa, “Era”, sintetiza tudo o que o disco representa segundo Júlio: “Uma experiência coletiva, trazendo diversas participações à “banda de um homem só” em um discurso que questiona a fé e as experiências empíricas da humanidade.”
Com um discurso firme ela também conta com um super time de apoio, Bruno Chagas (violão, trompete), Túlio Freitas (tambores), Fifas Rules (contrabaixo), Rafael Mordente aka Aquaplay da UDR (locução).
A mixagem é assinada por Lisciel Franco (Detonautas, Rodolfo Abrantes). O clipe inclusive fez parte do post Especial de 32 clipes independentes lançados em janeiro + Playlist no Spotify.
O clipe tem uma narrativa suicida, um dos temas delicados que o álbum toca. Tanto que ele faz questão de alertar na descrição do vídeo que teve a direção de Arthur Lopes e roteiro desenvolvido por Júlio Victor: “É possível prevenir o suicídio CVV 141”.



“Trans Crux” joga a sujeira para o alto e condena os crimes cometidos pela igreja e todo o sangue jorrado através de séculos de alienação e preconceito. Profere versos a satã e condena o abuso de poder feito por membros das igrejas. Que deixam de olhar um ser humano como um ser igual a ele.
O preconceito com negros, trans e grávidas por parte de religiosos é colocado em pauta. É polêmico, coloca o dedo na ferida. Uma canção que daria boas discussões, com certeza algumas mais acaloradas. A faixa foi mixada no Estúdio Casa, também responsável pela mixagem de trabalho para artistas como: Amplexos e Raí Freitas.
Desta forma chegamos a última canção esta que ao longo dos seus 18 minutos contém através de diversas participações vários discursos discursos.
Esta faixa conta com a participação de: Mariana Cruz (locução), Bruno de Sousa (locução), Vitor Soares (locução), Leonardo Augusto (locução), Mario Fong (locução), Jorge Rodrigues (locução), Giulia (locução), Lucca Alexandrino (locução), Guilherme Rocha (locução), Bruno Chagas (Violão) & Rafael Inácio (viola de 10 cordas).
A mixagem é assinada por Pandario, responsável pela mix de trabalhos para os artistas Sasha Grey As Wife, DFront SA, David Ballot.
“Terra” fecha o disco com a mesma atmosfera que se inicia o disco, com uma mensagem para todos os habitantes do planeta. O descaso com as impurezas causadas pela poluição radioativa e as impurezas que consumimos. O machismo e a sociedade patriarcal também são criticados em um dos discursos.
A depressão, o suicídio, o preconceito são temas delicados são destacados nos discursos. O legado que deixamos é questionado através da mediocridade da vida humana. A maneira com que os religiosos lidam com o próximo é um dos temas abordados.
A canção soa como um mini-documentário sobre os temas abordados ao longo do disco. A polêmica e o acúmulo de informações polarizadas recebemos todos os dias. É como se déssemos vozes para o feed do facebook. É abrir um universo de temas que queremos e não queremos conversar. É um tapa na cara bem dado.



Ashtar Sheran I: Terra é um disco complexo. Não será digerido da maneira correta na primeira audição, sem sombra de dúvidas. Por conter diversos temas, inquietações, personalidades, discursos e conflitos. Mas calma, isso não é necessariamente algo ruim.
Ao contrário disto, é um álbum para refletir sobre a humanidade. Principalmente seus problemas e desequilíbrios, seja ele ambiental, emocional ou espiritual. Ele te força a colocar em pauta temas polêmicos e delicados como o suicídio, o racismo, a religião, a falta de empatia perante o próximo, o sexo sendo visto como algo descartável, o machismo e a internet.
A internet que é o ponto de equilíbrio e desequilíbrio nos dias atuais. Um bocado de informações, pessoas interessantes, novas bandas e conhecimento ao mesmo tempo que pode ser visto pelo outro polo: como um oceano de solidão, revanchismo, stalking e desarmonia. Temas que muitos deixam de lado mas que são urgentes. Vivemos na era 3.0, logo menos entraremos na 4.0 como todo indica e não podemos perder o sentimento de humanidade.


Playlist Especial de Lançamento no Spotify

Para o lançamento o Júlio Victor preparou especialmente para o Hits Perdidos uma playlist contendo 33 sons. Mas porque 33? O motivo para isto é que ele selecionou no Spotify 3 sons que influenciaram de alguma forma cada faixa!
Sendo assim as 3 primeiras influenciaram “Vrillion 1977”, da 4 a 6 influenciaram “Shane Lee Mack” e assim consequentemente. A playlist é ótima para quem quer conhecer novos artistas e não sabe muito bem por onde começar. Aliás ela contém artistas que vão da MPB ao Emo.
Ah e não deixe de seguir o perfil do Hits Perdidos no Spotify para novas playlists.




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This post was published on 3 de fevereiro de 2017 12:00 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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