Hoje vamos adentrar a uma aventura antropológica em direção ao auto-conhecimento. Aquela luta para fugir das correntes e amarras de uma sociedade que muitas vezes não reconhece a individualidade do ser. Não te dá liberdade de escolha e quando você luta contra a corrente, vem como uma maré para cima feito um maremoto.

Serialarm: Marcos Andrada e Otavio Bertolo – Foto Por: André Z. Pagnossim

Após os vídeos das Orange Sessions da Molodoys e do Quarto Negro serem disponibilizados, o lançamento dessa semana fruto da parceria entre o canal Minuto Indie e o Estúdio Casa Da Vó é o curta-metragem do duo Sereialarm.
O Sereialarm que pode ser lido como: “Serei Alarme” por diversos motivos e dificuldades só conseguiu entregar seu disco de estreia Bem Aéreo em 2014. Marcos Andrada é um velho conhecido do underground brasileiro, diga-se de passagem, ele fez parte nos anos 80 da banda Vultos.

O Sereialarm tem suas origens em uma “Good Trip” de Santo Daime. Segundo palavras de Andrada: “A primeira vez que eu tomei daime foi na casa de uma amiga minha. Parecia que eu tinha tomado uma cartela de ácido. Porque você somatiza e você associa. O problema da associação, entendeu?. E você fala que linda a estrela. Poxa vida mas eu to pensando em uma pessoa que já morreu e você começa a ficar mal. Entendeu? Tudo associação.”

Sobre a escolha do nome ele comenta:
“Que louco o essa coisa do farol no meio da água assim, e fui pesquisar e chamava Sereia de Alarme. E eu achei super legal, podia ter uma banda chamada Sereialarm. Eu pensei assim, Serei Alarme, vou ser alarme.
Sobre a escolha do nome do disco, Andrada conta:
Bem Aéreo quem deu o nome foi a mãe da minha filha, chama Patrícia. Então bem aéreo. Matou a pau né? Eu sou um cara totalmente bem aéreo.”

Essa conexão com a natureza e o associativo da sensibilidade aguçada da experimentação de drogas criaram uma atmosfera em sua vida. De certa forma se tornou para o bem e para o mal sua luta constante. Ele conta que faz música para se salvar. A música para Andrada é para antes de tudo se agradar, o viés comercial é deixado de lado. O que mostra como sua dor de certa forma é puramente como sua essência é. Produzir novas músicas todo dia é mais do que terapia para o duo, é necessidade de sobrevivência.
No mini-documentário da Orange Sessions Andrada comenta sobre os erros e acertos do Vultos que levaram a banda ao fim. E sua relação com a música. A luta pelo reconhecimento e o “tocar o foda-se” são contrastes entre a liberdade criativa e o paradoxo de dar certo.
Logo para isso, a Sereialarm abre mão de muitas coisas. Vale a pena assistir para ver a paixão com que eles falam sobre o trabalho que produzem e seus valores, uma aula sobre persistência e amor pela música.
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Em meio a uma atmosfera de sensibilidade á flor da pele ouvimos o disco
Bem Aéreo para poder contextualizar a obra em tempo e espaço. Os sentidos em meio a atmosfera relaxante de certa forma conseguem com que acompanhemos sua dolorosa e majestosa trajetória em direção aos astros distantes. O cosmos e o bem estar espiritual auxiliam na audição que de certa forma é leve e contemplativa. Apesar da dor, as composições tem uma visão positiva que nos carrega como se estivéssemos flutuando por entre as nuvens.



O disco já começa com a faixa título “Bem Aéreo” uma canção com uma melodia agradável, o piano conduz o ritmo leve que equaliza com a voz rouca de Andrada. A canção é densa e fala sobre expandir horizontes. Sempre conectando sensações, de certa forma é uma canção para se assimilar com quase todos os 5 sentidos.
Uma outra interpretação é o “carpe diem”, viva o hoje intensamente pois amanhã tudo pode ruir. O som do violino já nos 45 do segundo tempo da canção transmite uma leveza que apenas te conduz para outro plano.

A veia psicodelica das experiências com daime começam a se traduzir literalmente em “Miragem”. A good trip ganha forma no plano visual e na conexão tribal. Na canção os povos antigos da região das Américas, Maias, Aztecas, Incas e índios são citados.
Como se o eu-lírico entrasse em transe com o lado mais puro do contato entre o ser humano e a natureza. A psicodelia derrete através dos solos de guitarra e delays que nos guiam no sentido dos psicotrópicos.
A canção serve de introdução aos efeitos da experimentação da droga que em “Vênus Chegou” capta com mais detalhes. É como se fosse colocado uma lupa após o uso das substâncias lisérgicas. As sensações e os sentimentos se desprendem como se o corpo e o espaço se confundissem. Quando o interlocutor encontra sua “Vênus” é como se o aclive de emoções se justificasse.
Com uma veia mais pop que flerta com o post-punk e bandas do começo dos anos 90 como Mazzy Star, temos “Ausente”. Nesta canção o plano dos sonhos e realidade se fundem. A levaza do espírito ganha outras analogias que se desprendem em acordes. A conexão astral te leva no mesmo plano de densidade que o disco Screamadelica (1991) do incrível Primal Scream.
Enfim chegamos ao sol, a gravidade deixa de ser um obstáculo. O caminho pelo universo do espaço sideral é explorado até na sonoridade com intervenção de sonoplastia alá Spaceman 3. O teclado segura a atmosfera de uma maneira que você realmente se sente dentro dessa viagem, inclusive você vê seu ectoplasma se desconectar e sente sua mente expandindo.
Em seguida em “Vista o Mar” temos uma disputa interna. Entre o desprendimento com o passado para assim poder viver o futuro. O mar é uma verdadeira metáfora para o “deixar a vida rolar” e de certa forma olhar para frente e não viver apenas da nostalgia. Como Andrada diz na entrevista para a Orange Sessions: “tem bandas da minha geração que simplesmente pararam no tempo”.

“Noite Viver” é curta feito um tiro mas muito significativa. O escapismo se traduz na metáfora da noite que vai te levar para um lugar melhor. Mais uma vez o plano dos sonhos se confunde com a realidade. A canção se encerra no clima de um sereno passageiro.
Com mais peso e densidade temos “Repousa o Grande Céu”, uma canção sobre se perder para se encontrar. O inferno em lidar com os problemas, as causas e consequências de suas próprias escolhas e decisões. Afinal, como Sartre diz: “O inferno somos nós”.
Explorando os sentidos temos “Solidança”. Os conflitos da solidão e a procura pela paz interior buscam de certa forma lutar contra os fantasmas que nos cercam ao longo das passagens da vida. Esta que deixa marcas em nossas pegadas e nos acompanha feito a imagem de nossa própria sombra em um dia ensolarado.
“A Hora Mágica” trás a atmosfera do amanhecer. Que carrega aquele silêncio quase raro no dia-a-dia quando todos ainda estão dormindo e conseguimos interagir com a natureza. A paz interior chega a níveis raros mediante a confusão rotineira.
A narrativa da parte descritiva te remete a um misto de Into The Wild mesclado com experiências xamânicas. Assim chegando de encontro com seus ancestrais distantes, para encontrar o bem estar.
A penúltima canção é “Força do Amanhã” tem uma catarse na explosão da descrição de um mar furioso, o tom dramático domina a aurea da canção que vive dos altos e baixos. A conexão com a natureza ganha asas e expande os horizontes num cataclisma de emoções.
A roda gigante tem que girar, pois o mundo está em constante mutação. A mensagem é bastante positiva e o desprendimento com a matéria é a ponte entre o mundo real e a ficção.

Para fechar o álbum temos “Dispersar dos Vagalumes”. Que fala sobre o ciclo da vida, sob uma perspectiva de melhorar como pessoa de uma forma constante. A luta contra nossos demônios internos de nossas lembranças ruins que insistem em nos puxar para baixo.
A esperança com um futuro iluminado, que se traduz como o dispersar belo dos vagalumes brilhando na escuridão da noite. A noite enfim ganha uma paz espiritual para poder olhar para frente e trilhar seus caminhos com o devido equilíbrio que a vida nos exige.
Eu diria que a canção que finaliza o álbum carrega toda a carga emocional conceitual do disco. Uma epopeia que vai de encontro a nossa essência. O barulho de disco voadores, é o clamor pela abdução. A vontade de desbravar outros universos interiores, afinal podemos viver nossa vida inteira sem nos conhecer 100% de verdade.
Achamos que nos conhecemos mas temos largos oceanos de sentimentos, motivações, quereres, sonhos e ambições. Somos mais complexos do que achamos e isso demanda paciência, erros, tempo e respeito.
Confira o vídeo da Orange Session com o Sereialarm!

 

Sereialarm
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Veja o documentário sobre Marcos Andrada:

Minuto Indie
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Manifesto do Minuto Indie sobre a realidade do rock independente nacional:

This post was published on 14 de julho de 2016 7:00 pm

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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