Ter uma banda independente no país é um grande desafio. A arte em geral em sí é, seja no cinema, na literatura ou no campo das artes plásticas. Poucos artistas em geral conseguem viabilizar uma estrutura para dar aporte sem a ajuda de multinacionais, as famosas majors. Na maioria dos casos o investimento para um conjunto se manter vem do próprio bolso e fruto do suor do trabalho paralelo do dia-a-dia.
Mas nem tudo é dinheiro – ainda bem – a proposta de selos independentes de pequeno e médio porte é a de compartilhar conhecimento e informações úteis para assim estabelecer uma rede de contatos nos mais diversos stakeholders que o negócio da música envolve.
Afinal de contas muitas bandas caem em grandes roubadas e calotes ao longo da estrada. Apesar do amadorismo de boa parte dos grupos, muitos aprendem calo após calo, porrada após porrada meios para divulgar sua arte. E o conhecimento e expertise adquiridos ao longo dessa jornada, quando somados podem render bons frutos.
A ideia da profissionalização da música é um caso urgente para sua sobrevivência. Em conversa com o editor, Maurício Martins, do Nada Pop debatemos como é feita a abordagem por parte das bandas com a imprensa, como falta estruturação, estratégia de comunicação mas principalmente: visão de negócio. Afinal de contas – por mais que você torça o nariz lendo isso – uma banda é uma empresa.
E meu amigo, se você leva sua banda como hobby de final de semana. Sinto muito, ela não vai para frente. Ao menos que você seja um músico que embarcou em alguma banda já pronta ou com 30 anos de estrada. Estamos em 2016, ao menos no Brasil ninguém vai te pegar pela mão e te dar a fórmula mágica do sucesso.
Me indigna quando ouço que se eu trabalhar com produtor x no estúdio y que tem toda uma estrutura que “EU DESEJO PARA MINHA BANDA, vou chegar lá”. “Quero minha banda no Faustão, e não me importo se produtor mudar tudo no meu som”.
Cara se você pensa assim, você já começou errado. “Ah mas eu quero sucesso a todo custo”. Então já começou errado em querer ter uma banda e chamar isso de “viver da minha própria arte”.
Normalmente são esses que confundem profissionalismo com comprar um pacote especial de ofertas no Ebay. E esse texto pode servir para muitas bandas lerem e dizerem: “Como estou cuidando da minha banda? O que falta para me notarem ou levarem a sério o tanto de tempo que me dedico? Será que estou sabendo fazer?”
Eu sei que vocês também querem informação, e nada como ler. De verdade, ler, pesquisar, se informar, testar, errar e se jogar também faz parte do processo. David Byrne, produtor e eterno líder do Talking Heads lançou em 2012, um livro chamado How Music Works.
Nele, David tenta explicar pensamentos que vieram a sua cabeça durante toda sua vida. Como ela explica o tempo e espaço em que vivemos, como o avanço da tecnologia contribuiu e como ela foi se transformando tanto como produto, como em sua distribuição.
Um digno trabalho de antropólogo e cientista social, afinal entrar nas mentes e entender o consumo do mercado em constante mutação, é uma ciência difícil de ser assimilada e traduzida. Como disse antes, não existem fórmulas perfeitas. O formato de consumo mudou tanto através das décadas, do vinil, passou para as vintage – e agora cultuadas – fitas cassete, depois chegou o CD com uma proposta de melhor qualidade sonora.
Com a popularização da internet, veio o pesadelo das engessadas grandes gravadoras, o compartilhamento de MP3. O que definitivamente mudou nosso trato com o trabalho de um artista. Ter tudo em abundância e em questão de minutos ouvir a um disco experimental de jazz tailandês – lançado a poucas horas – não é mais um desafio.
A banda de garagem do seu amigo tem a chance de ser ouvida horas depois da masterização ficar pronta no porão da sua casa. Era o tempo do Napster, Purevolume e Myspace. Que foram perseguidos pelos ~antigos donos da bola~ que até então não tinham entendido como aquele mercado está – na realidade – em constante modificação.
Não tem nem 10 anos que tudo isso se dissipou e ainda vemos uma luta por re-adaptar fórmulas nesse sistema. O streaming é mais uma tentativa de centralizar o talvez, “incentralizável”. E vamos ganhar capítulos a cada dia, não tenho dúvidas. Os desafios só aumentam a cada dia em como ter seu “lugar ao sol”.
Uma dica do Maurício (Nada Pop), foi o livro do Leoni lançado já a alguns anos em que ele tenta ajudar novos artistas a compreender a nova visão sobre a indústria que estão adentrando. O Manual de Sobrevivência no Mundo Digital é um E-book que pode ser baixado gratuitamente e tenta dar aquela ajuda. Aliás Leoni, se você por acaso ler este texto, parabéns. O Brasil precisa de mais gente como você, que compartilhe conhecimento sem precisar monetizar para isso.
A mentalidade OpenSource vem transformando o mundo nas mais diversas áreas, como na ciência, educação e tecnologia. Unidos somos cada dia mais fortes, sozinhos muitas vezes levamos o risco de grandes ideias: morrerem na praia. De nada vale uma grande ideia sem ela ser aplicada.
Após essa discussão sobre o mercado e a música como negócio, vamos conhecer um pouco sobre o trabalho do selo InstrumenTown.
O InstrumenTown nasceu no ano passado e teve seu conceito elaborado após um festival instrumental que contou com nomes de peso do cenário nacional: Bombay Groovy, Mescalines, Bmind e Tigre Dente De Sabre. Assim em 2016 o selo já preparou logo de cara três lançamentos: O primeiro álbum do Mescalines, o segundo trabalho do grupo Bombay Groovy, Dandy do Dendê e o EP instrumental “Paisagens” do grupo Nuvem que ainda está por vir.
O elo entre as bandas é muito maior do que apenas grupos com proposta de som instrumental. Tem todo um conceito por trás disto. Além de querer fazer um disco com essa proposta de som, o grupo tem que em sua sonoridade apresentar uma proposta de som Étnico.
Ou seja, música tribal, típica, local, profunda e com laços fortes com o passado. Uma visão sobre um mundo em constante globalização em que muita história, ritmos, cultura e ensinamentos: vão se perdendo no tempo e no espaço.
Para entender melhor, o Hits Perdidos conversou com dois dos cabeças do selo, Rodrigo Bourganos e Mariô Onofre, respectivamente das bandas Bombay Groovy e Mescalines.
[Hits Perdidos] Queria antes de qualquer coisa saber um pouco da história do selo,desde seu conceito até o ponto em que ele está.
Rodrigo Bourganos: “Nos últimos tempos temos observado iniciativas de bandas que se juntaram no cenário independente em selos que funcionam quase como “coletivos”.
Por meio desta união, elas se ajudam entre sí, criam estratégias e se projetam em conjunto alcançando mais do que fariam isoladamente. Eu e o Mariô (Mescalines) sempre promovemos pequenos festivais para artistas independentes, em busca de criar novos espaços e fomentar o cenário. Um deles foi o festival InstrumenTown, em que Bombay Groovy e Mescalines tocaram junto com os digníssimos Bmind e Tigre Dente de Sabre no Mundo Pensante.
Pouco depois disso, nossas duas bandas trabalharam em novos discos, portanto resolvemos estender a ideia do festival ao selo, que distribui nossos fonogramas nas plataformas digitais e continua com suas edições ao vivo. Em breve, pretendemos trabalhar com vinil. Quando as novas fábricas de SP se estabelecerem!”
[Hits Perdidos] A originalidade do artista é um dos temas mais prezados conceitualmente pelo selo. Porém sabemos que para criar uma identidade também é necessária trabalhar a imagem e marca do selo. Como é esse processo?
Rodrigo Bourganos: “Nosso selo formou um alicerce conceitual que não se restringe somente à música puramente instrumental. Construímos nossa identidade através de bandas e projetos musicais instrumentais e experimentais, muito recorrentes nos grandes centros urbanos devido à multiplicidade de culturas e mais fácil acesso às mais diversas peculiaridades culturais.
Daí vem o “town’’ no nome. A imagem e a marca se formam naturalmente de acordo com esses traços que, por mais diferentes que sejam, boa parte das bandas instrumentais experimentais carregam. Fomentamos os fusions e a maior gama possível de referências, principalmente quando há referência a algum gênero de música étnica.
Naturalmente isso acaba nos levando a possibilidades mais abstratas de imagem e marca, além de uma extravagância estética que apreciamos. Diria que as capas dos nossos discos (modéstia a parte, todas belíssimas! Pinturas de grandes artistas) possuem uma linguagem particular semelhante, com várias convergências entre sí.”
[Hits Perdidos] A música instrumental é um grande desafio no Brasil. Tanto que vemos iniciativas interessantes e comunitárias em prol da arte em coletivos como o Onda Instrumental que tenta catalogar nacionalmente os grupos e ajudar na aproximação com o público interessado. Como vê esse tipo de iniciativa e como tem sido a receptividade com o selo no mercado?
Rodrigo Bourganos: “Curiosamente, sentimos que o trabalho com a música instrumental experimental permite uma inserção mais ágil no cenário do que seria com canções, por exemplo. Talvez por que a música instrumental desperte logo de cara uma credibilidade com o ouvinte, que espera mais dos músicos e das composições que tentam dizer muito sem que palavras sejam proferidas. Obviamente, o mercado é restrito e o acesso ao mainstream é bem improvável.
No entanto, a imprensa parece nos receber muito bem e ter uma certa facilidade de nos transformar em notícia, através da nossa assessoria de imprensa. O lançamento de Dandy do Dendê da Bombay Groovy, por exemplo, foi feito com exclusividade pelo Estadão. O disco saiu com destaque em uma página direita do caderno de cultura da versão impressa, acompanhado de uma ela matéria do Pedro Antunes.
Além dessa receptividade da imprensa, percebemos que há uma certa cumplicidade no cenário instrumental, notável em mobilizações como a da planilha que você mencionou.”
Mariô Onofre: A receptividade é boa, quem conhece o selo e o trabalho que ele vem fazendo ficam encantados, mas não são muitas pessoas a música instrumental aqui no Brasil é muito rica mas pouco rentável, como o Rod bem mencionou a imprensa nos ajudou muito nesse sentido mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.
[Hits Perdidos] O selo tem três bandas em seu casting: Mescalines, Bombay Groovy e Nuvem. Pretendem expandir o cast? O que uma banda interessada pelo selo deve fazer para entrar em contato?
Rodrigo Bourganos: “O Nuvem não é uma banda instrumental, por exemplo, mas eles farão este EP instrumental chamado Paisagens que será lançado pelo nosso selo. Ainda falta terminarem, pois metade deles mora em NY e a outra no Rio.
O primeiro show do Nuvem foi no La Nave Festival, um dos festivais que promovemos. Pretendemos sim expandir o casting para além dessas 3 bandas. Por hora temos direito apenas a cinco para distribuição nas plataformas digitais, então vamos com calma até preencher as cinco e então aumentar o porte do selo.
Uma banda interessada deve entrar em contato conosco pela nossa página do facebook ou pelo email instrumentown@gmail.com. Para integrar o casting, a banda precisa ser instrumental e experimental, flertando com fusions, principalmente com música étnica. Parece específico, mas hoje em dia (e em uma cidade enorme como São Paulo) é menos do que parece.
[Hits Perdidos] O selo para o ano de 2016 tem 3 lançamentos: Fale um pouco sobre eles, de bastidores, especificações, como foi o processo, influências de cada um e o que achar curioso, interessante e pertinente.
O debut do Mescalines
Rodrigo Bourganos: “Ouvir o debut do Mescalines é uma grande experiência xamânica e sinestésica. Como um ouvinte imparcial, posso alegar sinceramente que acho um disco fantástico. O processo de gravação foi bem natural, gravado ao vivo de maneira espontânea no Estúdio Gerência, que fica no Lâmina (onde faremos a próxima edição do InstrumenTown).
Espontâneo e de extremo bom gosto com timbres e arranjos, afinal o Jack Rubens é um mestre do slide e um xamã das cordas, e o Mariô é um baterista de muito estilo e sensibilidade, ambos com extremo bom gosto.
O Mescalines começou tocando blues mas acabaram se encontrando mais em uma música xamã e psicodélica que cria um encontro direto entre suas referências norte americanas e todo seu sangue latino americano. Mas não há como fazer uma resenha melhor do que a que vocês publicaram recentemente!! Ficou fantástica! Dou um destaque também para a capa, pintada pela sublime artista Fefa Românova!”
O segundo trabalho do Bombay Groovy.
Rodrigo Bourganos: “Nós ficamos muito contentes com o Dandy do Dendê, álbum que faz uma bonita homenagem não só ao nosso falecido baixista Danniel Costa, mas também à vida e à música. Percorremos inúmeros gêneros da música étnica (muitas vezes em uma música só), mas sempre escancarando nossa pegada jazz fusion e rock progressivo.
Marcou uma grande evolução para a banda também, pois fomos além do sitar e englobamos diversos novos instrumentos também. O processo de composição foi muito rápido, a partir de temas que já compostos isoladamente (inclusive pelo Danniel). Juntamos tudo em 4 ensaios e gravamos separadamente no Estúdio DOK, com muita atenção aos arranjos, inserção de instrumentos de percussão, cordas e muito cuidado aos timbres. Depois, levamos o álbum pronto ao artista Gian Paolo La Barbera, que pintou a óleo aquela belíssima capa enquanto ouvia o disco!”
Mariô Onofre: Dandy do Dendê é um álbum que flerta com muitos gêneros musicais de uma forma bem peculiar, gosto do andamento do álbum e cada vez que escuto acabo gostando mais particularmente de uma música chamada “Slip Disc 72”.
O EP Instrumental do Nuvem.
Rodrigo Bourganos: “Estamos curiosos para ver o resultado, mas não temos como prever o lançamento no momento, devido a dificuldades geográficas do Nuvem, que está trabalhando ainda no EP “Paisagens”. Eu ouvi as demos e guias e posso dizer que está soberbo, atmosférico e sutil como uma nuvem.”
[Hits Perdidos] Quais os planos e metas para o próximo ano? Teremos mais bandas participando do selo?
Rodrigo Bourganos: “Não há como prever! No entanto, pretendemos possuir cinco bandas no catálogo até o ano que vem! Além de continuar as edições do festival InstrumenTown.”
[Hits Perdidos] O selo tem origem em festivais de música instrumental. E no próximo sábado (dia 11) vocês tem planejado um mega evento no Estúdio Lâmina. Não pude deixar de ver que no evento, além de bandas do selo, teremos a participação de Tomas Oliveira do Mustaches & Os Apaches) tocando piano. Quais as expectativas para o evento?
Rodrigo Bourganos: “As expectativas para o evento são altíssimas! O Estúdio Lâmina é fabuloso e soberbo, no alto do Palacete Bertolli, com uma bela vista para o maravilhoso Edifício Martinelli! Foi lá também que o debut do Mescalines foi concebido, além de todo o apoio que o pessoal do Lamina deu às nossas bandas desde o início, em eventos como o “SP na Rua” e o “Anhangabaú da Feliz Cidade”.
Nessa edição, em celebração dos nossos dois lançamentos, teremos shows do Mescalines e da Bombay Groovy, e teremos o Tomas Oliveira como convidado, fazendo seu número de piano.
O Tomas, além de um músico impressionante e espetacular, gravou o disco do Mescalines no Gerência! É um enorme prazer tê-lo conosco gerando ondas sonoras nessa edição do festival!
Será um evento irreverente, para que todos se divirtam e apreciem nossa música instrumental diante daquele cenário exuberante e a atmosfera particular do Lâmina. Também teremos a presença dos DJs Léo Breed Love e Marina Lomaski, pois a noite só acaba quando surgir a aurora pelo vale do Anhangabaú!”
[Hits Perdidos] Quais conjuntos instrumentais atuais além das do selo, claro, destacaria tanto no Brasil como no exterior.
Rodrigo Bourganos: “No Brasil tem muita gente fazendo música instrumental interessantíssima. Um grande exemplo é o Tigre Dente de Sabre. Além deles, recomendamos o Chaiss na Mala e os projetos instrumentais do nosso amigo e grande guitarrista gaúcho Gabriel Guedes!”
[Hits Perdidos] Para finalizar: quais discos foram fundamentais para a existência do selo?
Rodrigo Bourganos: “Se eu for falar pela Bombay Groovy, saberia enumerar discos. Mas diria que o conceito do nosso selo como um todo antecede o próprio formato de disco. Buscamos referências na música étnica e nos sons primordiais.
Claro que nisso convergimos com inúmeros nomes dos anos 60 e 70 que buscavam o mesmo tipo de referencias em contexto de fusion, então também devemos englobá-los como um todo. Mas os disco mais fundamentais para a existência do nosso selo, de fato, foram o Mescalines e o Dandy do Dendê (risos).”
E assim terminamos o primeiro post do Especial Selos: Hits Perdidos. De tempos em tempos vamos abrir espaço para os selos independentes poderem mostrar e analisar o cenário atual da música brasileira. Tem um selo e gostaria de ter espaço para contar sobre seu trabalho e os próximos lançamentos? Entre em contato com o Hits Perdidos.
E não deixe de prestigiar os eventos da cena local de sua cidade, é isso que os mantém vivos! Neste fim de semana por exemplo temos mais uma edição do Festival InstrumenTown:
Selo InstrumenTown (Facebook)
InstrumenTown (Contato)
Evento
Bombay Groovy
MescalinesMescalines
Nuvem
This post was published on 9 de junho de 2016 12:03 am
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