Com canções em P/B: Os catarinenses do Blasè ensaiam a volta aos palcos
O cenário é cinza com mesclas de preto e branco. O clima é denso, pesado e ardiloso feito uma canção fúnebre do My Bloody Valentine. Assim como uma tempestade de cataclismas; feito uma viagem sem volta com destino ao fundo do poço.
Aquele plano de fundo te transmite uma agonia que aos poucos te devora a alma. As poesias desse deserto que vive no peito do poeta se traduz logo nos primeiros acordes de “Primeiro Andar”. Uma das últimas músicas compostas pelo Blasè antes do seu derradeiro fim naquele nublado e confuso 2012.
O grupo foi formado em 2005, quando quatro experientes músicos da cena de Joinville dos anos 90’/00′ resolveram fortalecer a amizade criada e transformar tudo isso em música.
E algo uniu eles feito um pavio perto de uma Dinamite. Além do gosto musical bastante parecido, eles estavam descontentes pelo caminho que a cena tinha ido. Assim Milton Mills (Voz/Guitarra), Cláy Galanti (Guitarra), Evandro Vieira (Baixo) e Helliot Jr. (Bateria) decidiram ir contra a corrente e completamente indiferente com a novidade.
Ou seja, se a modinha (da época) era ser regueiro feliz: porque seguir algo passageiro só por estar atrás dos holofotes da mídia local?
Esse foi o jeito que a banda conseguiu fazer um som de verdade, visceral e incomum. Um revival super interessante sobre uma época que marcou a geração dos anos 80, mas que para a região parecia ter passado batido. Tanto que as referências do grupo no cenário brasileiro vem principalmente do Rio Grande do Sul e de São Paulo.
Ao longo da jornada de 7 anos de banda, o grupo lançou três EPS: Ficar Só (2008), H (2009) e Pirâmides (2010/2011). Pararam no ápice da loucura e no momento que eu considero após ouvir a discografia da banda como: o mais criativo e disruptivo. Acredito que naquele momento eles tinham alcançado o som que eles tantos buscavam. Mas isso eles responderão logo menos em entrevista realizada pelo Hits Perdidos.
E quem pensa que a banda não chegou a ter seu reconhecimento, se engana. A Blasè chegou a tocar com artistas importantíssimos do cenário de rock nacional como: Cachorro Grande, Ira!, Replicantes, Wander Wildner, Cassim & Barbaria entre outros.
Estas que foram muito importantes como influências poéticas e inspiracionais. Claro que o estilo remete algo do estrangeiro, e eles deixam isso claro em suas principais influências que mesclam coisas de várias partes do mundo: Jesus & The Mary Chain, Joy Division, The Brian Jonestown Massacre, Tensão Superficial, Atrito, Smack, Akira S & as Garotas que Erraram, Cabine C, Echo and the Bunnymen, Mission of Burma, Gang Of Four, PIL e The Cure.
A Blasè vem através desse post nos contar que está voltando a ativa e que vocês podem se animar porque grandes novidades estão por vir.
[Hits Perdidos] A banda está voltando a ativa nesse começo de 2016. Qual a maior motivação e expectativa para a volta?
“A maior motivação acho que é a vontade de tocar junto de novo. Encerrar um ciclo de silêncio, buscar fragmentos, olhar para músicas novas com olhos amadurecidos. E a expectativa, acho que é fazer barulho e que nos escutem e nos acolham (risos). Seria legal também uma parceria com alguma assessoria ou selo.” conta o guitarrista Cláy Galanti
[Hits Perdidos] O que acredita que mudou na cena nacional nos últimos 10 anos?
“No geral, nacionalmente falando, uma noção de informação diferente, novidade com urgência, mas infelizmente sem se envolver no conteúdo. O lado positivo é que temos muitas bandas saindo pra shows fora e mesmo tocando em rádios estrangeiras pela facilidade das novas mídias.”
[Hits Perdidos] Você diz que em 2005 fazer a proposta de som que vocês tem era algo fora da curva na cena local. Como enxerga a cena de rock de Joinville (e na região de Santa Catarina em sí)? Faça um paralelo entre 2005 – 2016.
“Santa Catarina é um misto de tudo tem praias e cena ska/reggae, tem a serra e cena stoner, tem o vale com uma ideia mais grunge, e Joinville na época tinha uma cara mais guitar-band e skate, também muitas bandas de classic rock e bandas covers.
Mas Joinville é uma cidade muito cinza, chuvosa e poética, pra nós, além da influência musical inglesa, a semelhança de clima praticamente fez com que soássemos assim, mas éramos os estranhos no mundo dos alegrinhos (Risos).
Desse tempo pra cá muita banda acabou, muita gente boa desistiu da música, muitas casas fecharam. A música própria é muito desvalorizada, tem uma “pá de banda” (sic) interessante fazendo bons trabalhos, não vamos citar nomes pra não esquecer ninguém até porque todos são batalhadores e dignos de apreço.” conta o grupo
[Hits Perdidos] Que bandas (internacionais ou nacionais) foram imprescindíveis para que vocês decidissem ter uma banda e como se conheceram?
“Joy Division, Smiths, The Cure, as bandas inglesas do início do 80, Echo (And The Bunymen), Depeche Mode e mais adiante Fugazi, Sonic Youth…Interpol, The Brian Jonestown Massacre, Black Rebel Motorcycle Club. Nos conhecemos por interesses em comum mesmo, todos viemos de projetos anteriores e nos encontrávamos em shows e festas e numa dessas bebedeiras resolvemos juntar os cacos.”
Após essas perguntas iniciais, vamos ao que interessa: o som apocalíptico da Blasè.
Ficar Só (2008) foi o primeiro trabalho da banda a ganhar as luzes das trevas catarinenses do cenário chuvoso, cinza e por muitas vezes rude de Joinville. Como eles mesmos nos descreveram.
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“Lítio Babe” é a música que abre o EP. Já com uma atmosfera dark estridente Joy Divinesca que vai de encontro com o caos: abrindo as portas do inferno. Sabem quando ele cita Black Rebel Motorcycle Club? Aquela mesma sensação ao ouvir a um disco dos caras.
“Ficar Só” que dá nome ao EP é toda trabalhada nas guitarradas darks de discos como Daydream Nation (1988) do Sonic Youth e na leveza de grupos como Placebo/Interpol. Algo que o Yo La Tengo faz com primor. A letra claramente é sobre o fim de um relacionamento e suas consequências psicológicas. A dificuldade em superar e de por os pontos nos í’s.
“Pessoas” é toda caricata e repleta de ironia. Algo que encontramos também na poesia de Wander Wildner. Tudo isso com a catarse de Brian Jonestown Massacre indo de encontro com distorções que te remetem ao som do Dead Kennedys e do Fugazi.
[Hits Perdidos] Em “Pessoas”, ainda no primeiro EP, vocês questionam: O que é real?. Citando a internet, nomes feios, horóscopo e a família. O que seria real para vocês?
“Real é o contrário do que foi dito ali, literalmente. Valores de vida, ver, pegar, sentir, se desconectar. Estar diante de alguém e interagir sem máscaras ou tipos.”
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Um ano se passou e o Blasè lançou seu segundo EP, H (2009). Este que conta com um único single, de mesmo nome. De certa forma esse segundo lançamento já começa a nos mostrar mais qual seria o DNA do grupo em seus próximos projetos.
“H” é pesada, tem um grau de emoção e sentimentos bem denso. É Ian Curtis e Joy Division de corpo e alma. É trevosa e desconcertante, ela cresce de maneira avassaladora. Com frases potentes como:
“…Ironizar, desaprender
Todo silêncio que se fez,
Abrir a casa para aquecer
Mas sem saber que o sol vai incendiar o nosso engano” Trecho de “H”(2009)
A marca da poesia dark e repleta de caos poético. Um resgate que as meninas do Savages nos dias atuais tem feito com tamanha propriedade. O verso ecoa na sua cabeça e é praticamente impossível não apertar no repeat. Aliás me lembrou o som do Cadaver em Transe, banda que nos últimos dias chegou ao fim. Uma pena, vi a um concerto da banda ao lado das espanholas da Belgrado e da Rakta, excelente banda diga-se de passagem.
Entre 2010 e 2011 o Blasè entrou em estúdio para gravar o seu – até então – último EP, Pirâmides. Álbum que na minha visão a banda chegou em outro nível sonoro, fruto do amadurecimento e da convivência ao longo dos anos.
Ao questionar exatamente isso, a resposta foi ótima. Parece que o colapso era questão de tempo. A banda viveu seus dias mais perturbados e de experimentação de elementos eletrônicos.
[Hits Perdidos] Desde o primeiro EP (Ficar Só – 2008), passando pelo lançamento do single H (2009) ao Pirâmides (2010/2011) podemos ver uma evolução no leque de influências e nas composições. Pode se dizer que o momento que vocês pararam a banda em 2012 foi no auge criativo?
“Foi o auge de muita loucura, por isso paramos. Estava desestruturando. Mas foi um tempo em que estávamos tentando elementos eletrônicos, sintetizadores, loops, quando se colocam máquinas a favor pode-se conseguir bons resultados, mas sem perder a performance ao vivo. Uma ideia que pode ser continuada.” conta Cláy
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Pirâmides já começa logo com uma explosão em forma de “Dinamite”. Se você gosta de Darklands (1987) e viaja ouvindo Psychocandy (1985) do Jesus & The Mary Chain provavelmente vai bater o pé ao ouvir o som. Se curtir algo mais cru e e escrachado com discurso que manda as coisas na lata, como é o som do Gang Of Four, vai curtir a construção sonora da faixa que abre o EP. A música é um verdadeiro tapa na cara, assim como a maioria das canções do disquinho.
[Hits Perdidos] “Dinamite”, presente no último EP lançado, Pirâmides (2010/2011), parece ter uma certa influência de Stooges e Echo & The Bunnymen, com letras que me remetem ao excelente – e finado – Ludovic. Quais bandas da cena tupiniquim da cena post-punk vocês curtem?
“As Mercenárias, Cabine C, Smack, Fellini, o Fausto Fawcett, Uns e Outros, Zero, Finis Africae, os primeiros do Legião Urbana e até mesmo os primeiros do Capital Inicial.”
A mais viajada e alucinógena faixa do disquinho, com certeza é a psicótica e fria: “Primeiro Andar”. A letra parece mais uma carta de suicídio, aliás, uma coincidência falarmos nesse tema nesta semana; sendo o aniversário da morte de Kurt Cobain.
“De sobretudo ao sol
vendo o deserto do meu peito arrancar
O silencioso amargo jeito de voltar,
agradecer a Deus (x3)
Pela janela do meu quarto
sendo primeiro andar.
Esse fim de nuvens desfazendo sombras
pra me consolar” Primeiro Andar (Pirâmides, 2011)
[Hits Perdidos] Já “Primeiro Andar” tem uma levada mais psicodélia/shoegazer/pós-rock alá Brian Jonestown Massacre se fundindo ao Jesus & Mary Chain. Como funciona o processo criativo dentro da banda?
“Primeiro Andar fala de suicídio, as letras não são necessariamente autobiográficas, mas confesso que são um pouco intimistas e claustrofóbicas. Cada música se transforma em algo diferente do que é composta quando juntamos os 4 elementos. Geralmente eu faço as letras e a melodia na guitarra ou violão o apenas pensando em uma linha de baixo daí em diante cada um traz a sua visão da música. Geralmente arranjamos elas na sala de casa.”
“Tardes de Abril” trás a tona o lado mais obscuro do grupo com influências mais densas como a de Mission Of Burma, Depeche Mode e The Cure. A letra inclusive é um casamento entre as poesias de Morrissey com as de Robert Smith. A bateria inclusive tem o compasso e a levada da new wave.
[Hits Perdidos] “Tardes de Abril” já mostra o lado que vocês mesmos afirmam como influências: Mission Of Burma e o próprio sagaz Gang Of Four. O que me remete a clubes como o Madame Satã. Falando nisso, quais clubes vocês mais curtiam tocar e qual show foi inesquecível para vocês?
“Cada lugar tem uma história, geralmente louca (risos). Sem dúvida o Curupira em Guaramirim foi um dos lugares mais fodas, tocamos várias vezes! Na cidade tínhamos o Dom Rock, Pixel, Old Bar…Tocar com o Wander Wildner foi legal, Garotos Podres, Ira!” conta o grupo
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=dgwLBA9o-O4]
“Tanto Faz” podia facilmente ter saído de uma Peel Session (sessões que eram gravadas pelo lendário John Peel) e que felizmente foi resgatada pela filha do jornalista britânico. Com aquela estética post-punk jogada no asfalto, a situação da desconstrução de corações e mentes após uma separação é mais uma vez abordada. Conforme a loucura entorpece na história da canção; a música vai ficando mais pesada e experimental.
A faixa “Pirâmides” poderia facilmente ter sido escrita pelo mestre Jair Naves (ex-Ludovic) e parece inundar de lágrimas o deserto de “Primeiro Andar”.
“Não sei porque eu fui dizer
que a chuva quando vai
volta como tempestade
e molha tudo que ficou para trás
Você disse tudo bem
as palavras não se apagam, mais.
Você não sabe o que eu sei para esconder minhas verdades
Não sabe o que eu sei” Pirâmides – faixa que encerra o EP
Ela é apocalíptica, o processo de autodestruição que se inicia em “Primeiro Andar” tem o fim de seu ciclo. O sufocamento da persona da canção é evidente e o sentimento de culpa: é notável.
Com toda certeza esse EP mais aventureiro e inconsequente – que beira o caos – por muitas vezes: deixa um vazio no ouvinte. Ou ao menos a sensação de fraqueza e fracasso. Como disse no começo do texto; a obra do Blasè é uma viagem sem volta com destino ao fundo do poço.
Para finalizar vamos contar um pouco sobre a origem do nome Blasè. E Blasè tem a ver com a banda ter ido contra a corrente dos grupos do cenário na época. Eles poderiam ter feito um som “alegrinho” do reggae/ska da região, mas foram exatamente para o outro polo. Em seguida fiz um bate-bola jogo rápido.
[Hits Perdidos] Qual banda vocês considerariam “Blasè”, no sentido de ir contra a corrente e totalmente indiferente a novidade, hoje em dia?
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=Y7ZpPsaMNMM]
“As meninas do Savages andam fazendo bonito! Varsovie da França também.”
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=xoU0_AjDztw]
[Hits Perdidos] Para fechar: Cite 01 disco, 01 filme e 01 livro que tenha mudado a sua vida?
“Disco: Depeche Mode – Violator.
Filme: Alta Fidelidade.
Livro: Vesper – Mihail Eminescu” comenta o guitarrista Cláy Galanti
Então é isso, a cena catarinense e nacional tem muito a ganhar com o comeback da Blasè. Pois é uma banda que volta a ativa com ar renovado e muito gás para tocar. Quem sabe em breve ainda nos deparemos com material inédito: vamos alimentar essa ideia na mente perturbada e insana que sempre serviu como combustível para o grupo.
Vamos ficar de olho!