Floreosso: A transformação da sociedade através do Pop libertador

 Floreosso: A transformação da sociedade através do Pop libertador

No último dia 8 de março foi lançado o primeiro trabalho do Floreosso. E a banda não poderia ter escolhido data mais feliz para lançar seu EP de estreia, Queimada Derretida (março/2016).

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O EP, Queimada Derretida (2016), discursa sobre os papéis que a mulher tem que se sujeitar para viver em sociedade.

Através de personagens caricatos, o EP tem uma proposta que não se pode deixar passar batida. O tema é altamente relevante e infelizmente bastante atual. Uma situação que as mulheres enfrentam na pele no dia-a-dia e muitas delas sofrem caladas.

A violência, a tentativa do homem diminuí-la, o machismo e o desprezo que uma sociedade machista impõe são retratados através de esteriótipos e situações que podemos ver sem ao menos precisar de uma lupa. E de forma sutíl, quase lúdica, essas histórias do nosso cotidiano são retratadas através das faixas deste primeiro trabalho do grupo.

O EP foi escrito por Guilherme Schildberg (aka. Guilherme Xibrusk – conhecido como baterista do Andeor) que além de escrever ainda toca bateria, violão e canta no projeto. Guilherme inclusive definiu com suas próprias palavras:

“Esse EP é sobre as mulheres e os papéis que elas são forçadas a interpretar. Esse EP é uma vista grossa e cansada. Um retrato bem acabado.”

A banda ainda conta com Jair Rosa (que também toca na Tallene, que já falamos aqui no Hits Perdidos), na guitarra. Renato Spinosa (teclados), Léo Ramos (baixo – Supercombo). Queimada Derretida (2016) também contou com as participações especiais nos backin vocals de Pedro Ramos (Supercombo) e Fernando Augusto Martinez (Banda Arizona) e o Flugel Horn; de Amilcar Rodrigues.

O disquinho foi gravado no Gritaria Mix e Master , produzido pelo próprio Xibrusk e Gritaria e mixado e masterizado no próprio Gritaria.

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Queimada Derretida (2016) exige atenção pois se o ouvinte não percebe o tom crítico e ácido do discurso da banda: Ele acaba consumindo da maneira errada. Muito disso pelo apelo pop e debochado que grupos como Gramofocas, Mamonas Assassinas e Baba Cósmica já usaram no passado.

E de fato é super divertido. Cada faixa em sí tem sua pecularidade, mas não devemos deixar o assunto que permeia e dá liga a todas as canções se perder em volta do circo armado no picadeiro Floreosso.

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A capa é assinada pelo artista, Rafael Kida

A própria capa, feita por Rafael Kida de certa forma nos transmite esse sentimento de opressão que desce feito navalha no código de conduta que os valores são deturpados em nossa sociedade. E esses problemas muitas vezes vem direto do lar, disfarçados em pequenos gestos que para muitos tendem a parecer: normais.

E o EP ataca essa visão que estes elementos ajudam a construir na cabeça do menino até se tornar homem. Desde cedo “educado” a tratar a mulher com um “respeito diferenciado”, muitas vezes sendo “catequizado” a aprender a chantagiá-las emocionalmente para conseguir seus objetivos. Quando contestado, esse homem perde a linha e comete atos verdadeiramente abomináveis, partem para selvageria, já que a razão: ele nunca esteve do lado.

Mas isso vem de sua criação, sempre sendo mimados mais do que deveriam, o machista que sai de casa, torce o nariz quando vê que o mundo não é muito bem como ele achou que seria. A realidade o incomoda, ver as mulheres ganhando empoderamento através de movimentos sociais, coletivos e manifestando sua opinião mesmo que online cria uma certa fobia; e da ignorância: nada bom pode vir.

A primeira faixa de Queimada Derretida (2016), “Eu queria ser Raul Seixas” já começa toda “torta”, com mensagens subliminares alienígenas feitas através de um vocoder. A música é um chicletudo punk bubblegum caipira que fica na sua cabeça feito um estalo.

O homem mimado pela mãe, pela mulher e todo seu entorno é retratado. Frases como “Enquanto você se esforça para ser alguém/eu tenho esse medo de me enfrentar/sei lá o que me dá” que brinca com o papel deste homem acovardado pelos valores invertidos que está acostumado e o medo de aceitar o mundo como é. Afinal de contas, sempre teve tudo em sua mão, nunca teve que lutar pelo seu reconhecimento.

A música no trecho citado brinca com os famosos versos de Raul em “Maluco Beleza”.

“Enquanto você
Se esforça pra ser
Um sujeito normal
E fazer tudo igual
Eu do meu lado
Aprendendo a ser louco
Um maluco total
Na loucura real” Raul Seixas – Maluco Beleza (1977)

“Queimada Derretida” faixa que dá nome ao EP, é o drama de um homem que não aceitou o fim de um relacionamento. Aquela dor de cotovelo sem fim de um covarde, que fere com palavras de baixo calão sua antiga companheira. Com palavras que denigrem a imagem da mulher.

Em certo momento durante um solo de guitarra açucarado, a voz de Cíntia Badaró pode ser ouvida, ela que na faixa interpreta o eu-lírico feminino que discute com o masculino as motivações regadas a chantagens emocionais.

A melodia é bastante pop com elementos de rock psicodelico aliada a simplicidade dos poucos acordes do punkrock. A riqueza dos detalhes na percussão e reverbs dão todo um clima apocalíptico de uma briga – e sua troca de farpas.

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Queimada Derretiva explora a fragilidade, do teto de vidro, de homens com o valores deturpados pela sociedade.

“Pedaços” é meio circense em seu ritmo, os teclados ditam o ritmo. As melodias são bem pops e os backin vocals me lembram um pouco Arnaldo Antunes. A música narra o lado da mulher. O eu-lírico desta vez é o feminino, a mulher que sofre e já não é ela mesma depois de tanto tentar se moldar a algo que nunca foi.

“Quanto tempo eu já fiquei encaixada em você para ter lugar,
Quando tempo me fez sem engrenagens para ninguém ver funcionar
Eu tive que atualizar,
Eu tenho medo de encontrar pela frente todos os pedaços,
e não saber voltar.
Eu tenho medo de encontrar pela frente todos os pedaços,
e não saber moldar
E não querer voltar, você”

Que logo dialoga com o masculino:

“Quanto tempo eu já fiquei disfarçada em você pra ter lugar,
Tão moderna, tão clichê, tantas peças todos tem que me ligar,
Será que alguém vai me encontrar?”

A morte do homem é narrada com uma sinfonia de velório em marcha feita com a ajuda do Flugel Horn de Amilcar Rodrigues. A música faz nesse momento sentir como se o eu-lírico masculino estivesse morrendo, e suas crenças sendo todas por sua vez, sepultadas. O choque dessa nova realidade, vindo em sua direção derradeiramente.

“Volta” mistura violão e guitarra com bateria no talo. Nessa altura do EP, a volta já não é opção e nossas personagens já parecem conformadas com a situação, porém custa a aceitar para o eu-lírico masculino. Ela é curta e acaba no Nervous Breakdown de nosso anti-herói masculino, em formato de berros perturbados que narram sua confusão mental oriundos da sua falta de equilíbrio.

A canção que encerra o disquinho, “Odeio Fade Out”, fala sobre o esforço em vão para manter rotinas e o desgaste do fim de uma história de amor. A dor de quem não suporta o fim de algo, e a idealização de algo que apenas: Já Foi. Perdeu Playboy.

A metáfora com o fade out é um bom recurso poético para falar sobre o fim arrastado. A música parece uma conversa de louco, feito um monólogo de alguém que não conseguiu refletir sobre o que aprendeu com o relacionamento que se passou.

O EP surpreende pela riqueza de detalhes e as crônicas de um amor egoísta, conturbado e sob os efeitos de um eu-lírico que – ainda – não conseguiu se adaptar as transformações da sociedade. Um eu-lírico que vê a mulher – que ele tanto achava que conhecia – se transformar em algo que ele nunca imaginou que ela pudesse ser.

Assim o Queimada Derretida (março/2016) dá o espaço para a mulher de uma maneira nada forçada, ele satiriza o homem que os homens não deveriam ser. Cumprindo o papel de educar um homem, que sempre teve tudo seus pés e que precisa rever seus conceitos quando o assunto é: respeito a mulher e seu VERDADEIRO papel em nossa sociedade que aos poucos vem sendo reconquistado, luta atrás de luta.

O disquinho não é dos mais fáceis de ser assimilado, mas quando ele é: parece servir como o pedaço do quebra-cabeças que estava faltando.

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